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Arílson conta como fugiu da seleção, pede desculpas a Zagallo e mira recomeço

Arílson reconhece que fuga da seleção, em 1996, foi seu maior erro na carreira - Cesar Itiberê/Folha Imagem
Arílson reconhece que fuga da seleção, em 1996, foi seu maior erro na carreira Imagem: Cesar Itiberê/Folha Imagem

Marinho Saldanha

Em Porto Alegre

10/06/2011 07h00

Todo jogador sonha em chegar à seleção brasileira. Arílson fugiu dela. Por mais estranho que possa parecer, o meia canhoto e habilidoso que conquistou a Libertadores com o Grêmio em 1995, abandonou o Pré-Olímpico do ano seguinte por não receber oportunidades de Zagallo.

  • Divulgação/Imbituba FC

    Arílson foi contratado pelo Imbituba no início de 2011 para ser jogador, mas após falhar em algumas tentativas ele passou a ser auxiliar técnico do profissional, depois voltou a comandar o time juvenil

"Sei que fiz errado, me arrependo. Se puder quero pedir desculpas ao Zagallo. Foi somente um dos muitos erros que cometi", diz o jogador, hoje com 37 anos, aposentado recentemente e treinando a categoria juvenil do Imbituba-SC.

Há dois anos no comando, a carreira de técnico começa tão promissora quanto a de jogador. Eliminado nas semifinais do catarinense em 2010, seu time atualmente lidera o campeonato, com 3 vitórias e 1 empate em 4 jogos disputados.

"Não vou deixar eles errarem como eu errei. Eu mostro o que é certo, agora, se quiserem errar, não vai ser aqui. Não vou permitir que eles percam família, dinheiro, amizade por não ter apoio. Fiz muita m... eles não podem fazer igual", diz sobre seus comandados.

Em um bate-papo de cerca de 30 minutos, por telefone, o jogador admitiu à reportagem do UOL Esporte momentos delicados de sua carreira, como quando foi preso por falta de pagamento de pensão alimentícia a seu filho, que hoje tem 15 anos e mora em Santa Catarina com o pai. Por fim, reconhecendo tudo que desperdiçou, ele pediu desculpas a Zagallo, técnico na ocasião da fuga.

MAIS DE 20 CLUBES NA CARREIRA

Onde joguei mais foi no Grêmio, no Palmeiras e no Inter. Depois me contratavam por campeonato. O Chile foi um dos países que mais gostei de morar. Me adaptei bem à cidade. Joguei de segundo volante, um ano, e fiz 13 gols no campeonato. Já na Colômbia não foi tão bom. O Paulo Diniz [ex-jogador do Internacional] jogava lá e fez o meio de campo para me levar. Este ano eu ainda joguei. Fui recontratado como jogador, depois de ser técnico do juvenil ano passado. Mas vi que as coisas não estavam boas, fiquei no banco, e resolvi parar.

*Nota da redação: Arílson jogou em Esportivo-RS (1989 a 1993), Grêmio (1993 a 1995), Kaiserslautern-ALE (1996), Internacional (1996/97), Palmeiras(1998), Grêmio (1999), Valladolid-ESP (1999/2000), América-MG (2000), Universidad de Chile-CHI (2001/02), 15 de Campo Bom-RS (2002), Portuguesa (2002), América-MG (2003), Al Ittifaq-ARA  (2003), Santa Fé-COL (2004), Grêmio (2004), Farroupilha-RS (2005), América-RN (2005), Mogi Mirim-SP (2005/06), Sampaio Corrêa-MA (2006), Glória-RS (2007), Imbituba-SC (2007), Cidade Azul-SC (2007/08), São Luiz-RS (2008),Itinga-MA (2008), 14 de julho (2009), Imbituba (2010/2011)

"Não fugi, não estava preso"

Cesar Itiberê/Folha Imagem
Peguei um táxi com o Sávio e com o Amaral, falei para eles que iria embora. Disse que se não voltasse até a meia noite é que teria ido. Eles tentaram me convencer para não fazer isso, mas cheguei ao hotel, peguei minhas coisas e saí. Quando cheguei à Alemanha me disseram que eu só poderia jogar depois do Pré-Olímpico. Daí fui para o Brasil, quando vi a imprensa toda em frente à minha casa é que percebi o que tinha feito.

RECOMEÇO COMO TREINADOR

Nunca quis ser treinador. Mas em 2007, 2008 me falaram que eu tinha o perfil, e trabalhei com muitos treinadores importantes. Comecei na escolinha. Depois veio o Sub-14 e o coordenador da base me convidou, depois, para treinar no juvenil. Chegamos até a semifinal no meu primeiro ano, que também foi o primeiro ano do clube. Empatamos com o Figueirense em 1 a 1, em Florianópolis, mas eles foram para final. É um time pequeno, com pouca estrutura, mas estou bem. Tocando a minha vida. O presidente, na Copa Santa Catarina, do ano passado, me convidou para assumir o profissional. Mas eu disse que não estava preparado. Tenho 20 anos de futebol, mas não como treinador. Pedi, então, para ser auxiliar. Ele atendeu, e trouxe o Alexandre Pandossi, depois o Muller, e eu fui auxiliar.

*Mesmo tendo aceito as escolinhas do Imbituba, Arílson foi contratado para disputa de campeonatos em outros clubes, retornando posteriormente ao time de Santa Catarina. Foi técnico do juvenil em 2010, virou auxiliar do profissional já neste ano, quando também foi conduzido novamente ao campo para jogar. Mais tarde se aposentou oficialmente, e hoje tem somente as atribuições de técnico do time juvenil.

MULLER

Ele sempre foi muito quieto. Calado mesmo, não falava com quase ninguém. Eu era auxiliar, trabalhava com ele, mas não tinha intimidade. Eu sei bem o que é isso [perder tudo conquistado na carreira]. Mas estou me dando bem agora. Perdi dinheiro, amigos, uma vida por causa dos erros que cometi. Mas agora sou treinador, estou me dando bem, me preparando e espero no ano que vem pegar um time profissional. Este ano eu fui cotado no Criciúma quando o Guilherme Macuglia saiu, mas foi somente sondagem. Seja no Rio Grande do Sul ou aqui em Santa Catarina, estou comentando com os empresários.

ÍDOLOS COMO TÉCNICO

Eu tento unir um pouco de cada um. Sou disciplinador. Tenho um pouco do Felipão, do Celso Roth, do Plein [José Luiz, ex-técnico do Grêmio]. Eles são meus principais exemplos.

Comandar o Grêmio: sonho

Reuters
Treinar o Grêmio seria meu sonho. Mas gosto muito do Renato. Me vejo com o estilo dele. Sou amigo do jogador, e ao mesmo tempo cobro. Sou bem como ele. Vejo nas entrevistas e nos treinamentos que ele é assim. É o que o Felipão fazia.

TREINAR O GRÊMIO: UM SONHO

Sim, seria meu sonho. Mas gosto muito do Renato. Me vejo com o estilo dele. Sou amigo do jogador, e ao mesmo tempo cobro. Sou bem como ele. Vejo nas entrevistas e nos treinamentos que ele é assim. É o que o Felipão fazia. Assim ele ganha o grupo e consegue que todos corram por ele. Quero que ele tenha muito sucesso no Grêmio, tenho esse perfil também.

EXEMPLO DO QUE NÃO FAZER

Temos um exemplo vivo aqui: eu. Fiz muita m... falo para eles não fazerem isso. Não vou deixar eles errarem como eu errei. Eu mostro o que é certo, agora, se quiserem errar, não vai ser aqui. Não vou permitir que eles percam família, dinheiro, amizade por não ter apoio. Fiz muita m... eles não podem fazer igual. Quero que quando eles cheguem a um clube grande lembrem isso. Eu mostro tudo para eles. Instituí a caixinha aqui. Não pode usar brinco, tem que estar sempre de caneleira em treinamento, tem que se acostumar com coisas de clube grande. Não é pelo dinheiro, é pela disciplina. Estou formando eles para a vida. Sou muito chato, errei muito, não quero que eles errem.

Exemplo vivo, técnico durão

Reuters
Temos um exemplo vivo aqui: eu. Fiz muita m... falo para eles não fazerem isso. Não vou deixar eles errarem como eu errei. Eu mostro o que é certo, agora, se quiserem errar, não vai ser aqui. Não vou permitir que eles percam família, dinheiro, amizade por não ter apoio. Fiz muita m... eles não podem fazer igual.

 
FUGA DA SELEÇÃO BRASILEIRA

Não fugi, não estava preso. [risos] O Kaiserslautrn, time que eu jogava na Alemanha, tinha uma semifinal da Pokal, Copa da Alemanha. Eu era titular do time. Mas tinha sido titular do Brasil na Copa Ouro, e fui chamado para o Pré-Olímpico, na Argentina. Começaram os treinamentos, eu não fui aproveitado. No primeiro jogo, não fiquei nem no banco, daí veio o segundo, e de novo fiquei fora. Tinha eu e mais três jogadores vindo de times de fora do país. Eu na Alemanha, o Roberto Carlos e o Caio [Ribeiro, hoje comentarista] na Inter de Milão e o Juninho Paulista no Atlético de Madrid. Todos os outros estavam jogando, só eu não. Procurei o Américo Faria, o Zagallo, queria falar com eles. Tinham me chamado, eu vim da Alemanha, para ficar sem jogar, o meu time precisava de mim. Era mais fácil ter chamado alguém que jogava no Brasil. Os dirigentes da Alemanha também vieram, conversamos e eles voltaram, dizendo que o Brasil não queria me liberar. O Zagallo, no fim, não pôde me atender. Eu pedi liberação, porque meu time jogava no domingo. A seleção tinha jogo na sexta, e eu não fiquei nem no banco novamente. Daí fomos liberados no sábado. Fui ao centro de Buenos Aires com os outros jogadores, mas não estava bem. Pensei, pensei, e quis voltar para o hotel. Peguei um táxi com o Sávio e com o Amaral, falei para eles que iria embora. Disse que se não voltasse até a meia noite é que teria ido. Eles tentaram me convencer para não fazer isso, mas cheguei ao hotel, peguei minhas coisas e saí. Quando cheguei à Alemanha me disseram que eu só poderia jogar depois do Pré-Olímpico. Daí fui para o Brasil, quando vi a imprensa toda em frente à minha casa é que percebi o que tinha feito.

SELEÇÃO: O MAIOR ERRO DA CARREIRA

Foram muitos erros. Fugas, trocas de times. O 'cara' sonha, luta o tempo todo, joga para chegar à seleção. Eu cheguei e joguei tudo pela janela. Mas não tinha ninguém comigo, não tinha apoio. Minha família morava longe, eu não tinha pai, não tinha com quem falar. Se alguém chegasse para mim e dissesse: calma, estou indo para a Argentina falar contigo, poderia mudar. É o que eu falo para os meninos aqui do Imbituba. Mas eu era 'cabeçudo', achei que estava certo e fui. Coisa de 'guri'. Me arrependo, muito, mas aconteceu. Ninguém fala que o Arílson foi campeão da Libertadores, vice do Mundial, campeão da Copa do Brasil, que jogou em muitos times. Todo mundo fala: o Arílson que fugiu da seleção. Faz 15 anos e até hoje só se fala nisso.

Pedido público de desculpas

Tuca Vieira/Folha Imagem
Ele estava certo, eu errado. Hoje o entendo. Sou treinador agora. Na época fiquei triste, mas ele é meu ídolo também pelos títulos que conquistou. Se eu puder, quero pedir desculpas para ele. Hoje o entendo, sei o que houve. Desculpa mesmo


ZAGALLO ESTAVA CERTO

Ele estava certo, eu errado. Hoje o entendo. Sou treinador agora. Na época fiquei triste, mas ele é meu ídolo também pelos títulos que conquistou. Se eu puder, quero pedir desculpas para ele. Hoje o entendo, sei o que houve. Desculpa mesmo.

PRISÃO POR FALTA DE PAGAMENTO DE PENSÃO

Eu disse que foram muitos erros. Estava aqui em Imbituba. Meu filho foi morar comigo, mas não tinha a guarda dele. Quando eu estava em time grande, mandava 4, 5 mil por mês para minha ex-mulher, mas com times pequenos não dava. Como meu filho foi morar comigo, achei que estava tudo certo. Mas depois ela apareceu me cobrando mais de 400 mil. Fui visitar minha mãe, e acabaram me levando para prisão. Fiquei lá uma noite, e depois saí. Meu advogado está acertando as cosias. Meu filho segue morando comigo, está com 15 anos. Dei um carro para minha ex-mulher, para pagar isso.

FILHO ATLETA

Se ele quiser pode ser, mas invisto no estudo. Ele tem é que estudar. É nisso que eu aposto. Mesmo que jogue, nunca vai ser igual a mim. O filho do Zico jogou aqui no Imbituba, mas queriam que ele fosse o Zico. Ele vai jogar, se quiser. É canhoto, tem habilidade.