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Morte de corintiano há 20 anos segue sem culpado e com família à espera de indenização

Ivone de Gasperi: "Só queria ver alguém pagar qualquer coisa pela morte do meu filho" - Fernando Donasci/UOL
Ivone de Gasperi: "Só queria ver alguém pagar qualquer coisa pela morte do meu filho" Imagem: Fernando Donasci/UOL

Vinícius Segalla

Do UOL, em São Paulo

28/03/2012 06h01

A morte de dois palmeirenses envolvidos em uma batalha entre centenas de torcedores de Palmeiras e Corinthians no último domingo é apenas o capítulo mais recente de uma trágica novela presente há décadas no futebol brasileiro: a dos confrontos violentos entre torcidas, prática que já cobrou a vida de dezenas de jovens, são-paulinos, corintianos e palmeirenses; flamenguistas vascaínos e botafoguenses; mineiros, paulistas e gaúchos.

A sociedade brasileira começou a se dar conta de que a violência entre torcidas já ultrapassava as fronteiras do futebol, tornando-se uma questão de segurança pública, quando o corintiano Rodrigo de Gasperi, de 13 anos, morreu em decorrência da explosão de uma bomba de fabricação caseira, lançada na arquibancada do estádio do Nacional Atlético Clube, durante uma partida entre Corinthians e São Paulo válida pela Copa São Paulo de Futebol Júnior, em 23 de janeiro de 1992.

"A DOR FICOU SÓ PARA MIM"

  • Fernando Donasci/UOL

    A mãe de Rodrigo de Gasperi mostra fotos do filho com a família. A memória de Rodrigo ganhou estátua no Corinthians e nome de praça em São Paulo. Já a indenização por dano moral, a família está esperando há 20 anos

A bomba, supostamente vinda da torcida do São Paulo, atingiu a cabeça de Rodrigo. O garoto morreu quatro dias depois, vencido por seis traumatismos cranianos e uma lesão cerebral. Seus órgãos que restaram intactos foram doados.

No mesmo dia da morte do jovem que cursava a 8ª série, a FPF (Federação Paulista de Futebol) anunciou a proibição da entrada de mastros de bandeira, instrumentos musicais e fogos de artifício nos estádios. Um inquérito para apurar o crime e apontar um culpado foi imediatamente aberto no 7º Distrito Policial, na Lapa (zona Oeste de SP). O Corinthians prontificou-se em pagar o enterro do garoto, filho da agente escolar municipal Ivone de Gasperi e do coveiro Pedro Batista de Gasperi.

Também foi instaurado um processo civil, para definir o valor e apurar a quem caberia pagar a indenização à família, se ao Corinthians e ao São Paulo ou se à prefeitura de São Paulo, ou ainda se à FPF. Que os pais de Rodrigo deveriam ser indenizados por dano moral, não poderia haver dúvida.

Vinte anos se passaram. Rodrigo virou nome de parque em Pirituba (zona Norte de SP) e ganhou uma estátua no Corinthians. Com o tempo, quase todos esqueceram o caso.

"Pois eu não passo um dia sem me lembrar dele. Tenho mais dois filhos, e a cada vez que olho para eles lembro do Rodrigo. A dor ficou só para mim". Assim vive dona Ivone, 58, há 20 anos. Há 20 anos sem o filho e há 20 anos esperando que alguém seja punido, da forma como for, pela morte de seu filho.

Ninguém foi condenado pelo homicídio. A polícia não encontrou nenhum culpado. Não se sabe quem atirou a bomba. Oficialmente, nem mesmo se sabe se ela foi atirada pela torcida do São Paulo. As primeiras investigações levaram a polícia a prender Reinaldo Rocha Marin, conhecido como Gordo do ABC, membro da Torcida Independente, do São Paulo. Por falta de provas, acabou inocentado. O caso está arquivado, sem solução.

A TRAGÉDIA DA VEZ

  • Reprodução/Facebook

    O palmeirense André Alves, 21, é uma das duas últimas vítimas da violência entre torcidas organizadas. Morreu com um tiro na cabeça no último domingo, dia de clássico entre Corinthians e Palmeiras. LEIA MAIS

Já na esfera cível, dona Ivone e seu Pedro esperam até hoje para receber a indenização. O processo terminou por responsabilizar a prefeitura. A Justiça determinou o pagamento de indenização. A prefeitura recorreu. Perdeu em segunda instância. Abriu-se um processo de execução, para determinar a quantia a ser paga. A prefeitura discordou do valor determinado, e recorreu. Idas e vindas recursais culminaram por levar o processo a Brasília, ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que deverá apreciá-lo um dia. Assim passaram-se 20 anos.

"Eu queria receber este dinheiro. Eu queria receber nem que fosse só um real. Eu só queria mesmo é ver alguém pagar qualquer coisa que fosse pela morte do meu filho. Ele morreu, ele foi um assassinado (sic). Como pode ser que ninguém tenha que pagar nada?", indaga dona Ivone.

Para ela, as tragédias relacionadas à violência no futebol são fruto da impunidade e da falta de fiscalização. "Agora, aconteceu de novo. A violência continua porque ninguém vai preso. Se não querem acabar com as torcidas organizadas, deveriam pelo menos fazer o cadastramento de quem entra no estádio, mas até isso pararam de fazer".

Dona Ivone se refere ao trabalho que era feito desde 2006 pela FPF e que foi interrompido em julho do ano passado. A federação vinha cadastrando os torcedores organizados para a formação de um banco de dados que ficasse à disposição das autoridades. Mais de 46 mil pessoas foram cadastradas, mas o trabalho foi interrompido em 2011. O Ministério do Esporte seria, a partir de então, responsável pelo serviço, mas ainda não começou a fazê-lo.

A família nunca mais voltou aos estádios. Seguem torcendo para o Corinthians, apesar de tudo. "A dona Marlene Matheus (presidente do clube alvinegro em 1992) pagou o funeral. Eu paguei o terreno no cemitério. Foi tudo que o clube fez pela gente", conta Pedro Batista de Gasperi, 65.

A reportagem pergunta ao pai de Rodrigo se o Corinthians não prestou assistência jurídica no processo penal contra o Gordo do ABC, conforme foi noticiado na época. "Sim, prestou sim. Na primeira audiência, foram três advogados do clube no fórum. Na segunda, foram dois. Na terceira e em todas as outras, não foi nenhum".