Topo

Fim de Deco no Flu tem isolamento e trabalho empresarial em concentração

Deco pensou em se aposentar em 2011, mas seguiu jogando pelo sonho da Libertadores -  Nelson Perez/Fluminense FC
Deco pensou em se aposentar em 2011, mas seguiu jogando pelo sonho da Libertadores Imagem: Nelson Perez/Fluminense FC

Renan Rodrigues

Do UOL, no Rio de Janeiro

27/08/2013 11h00

Quando a mensagem apitou no celular do dirigente Sandro Lima, por volta das 20h do último domingo, enquanto o Fluminense deixava São Paulo, poucas pessoas já sabiam da decisão que Deco vinha estudando há pelo menos um ano. Além do vice de futebol tricolor, o empresário e amigo Luizão e familiares tinham consciência da aposentadoria do ex-camisa 20. O SMS enviado de fora do país, sem reunião ou chance de persuasão, de certa maneira simboliza o fim do luso no Tricolor: isolamento e tristeza pelas seguidas lesões.

Nas concentrações, por contrato, apenas dois jogadores dispõem de um quarto exclusivo, sem a necessidade de dividir o espaço com outro atleta. Fred, o capitão e líder do elenco perante diretoria e comissão técnica, e o ex-meia Deco. As noites de pôquer, sinuca ou filmes quase sempre eram ignoradas pelo luso-brasileiro, visto com frequência portando dois notebooks e celulares pelos hotéis, dedicado aos negócios fora do futebol.

Entre uma sessão e outra de fisioterapia, a sociedade em uma empresa de mídias digitais, uma incorporadora imobiliária, participação em um colégio particular e um desenvolvedor de software tomavam o tempo do ex-jogador. Para funcionários do Fluminense, Deco já havia se distanciado e perdido o interesse pela rotina cansativa das quatro linhas.

Reservado, Deco tinha maior afinidade com os jogadores jovens do elenco, mas fez poucas amizades nos três anos que defendeu o Fluminense. Uma delas foi com o atacante Wellington Nem, alvo de brincadeiras e também conselhos sérios. A mesa preferida nas refeições, sempre rápidas por parte do ex-meia, era a dos funcionários. Assessores, supervisão operacional e integrantes da comissão técnica comumente faziam companhia ao jogador.

As frustrações e dúvidas sobre o futuro começaram em 2011, quando Deco sofreu três sérias lesões musculares, disputando apenas 25 partidas na temporada. Indeciso, conversou com o responsável por sua chegada ao Tricolor, o presidente da Unimed Rio, Celso Barros, que patrocina o Fluminense desde 1999. O pedido de esforço pelo projeto de conquistar a inédita Libertadores foi aceito e o ex-jogador decidiu continuar.

A ajuda veio também de fora do clube, em consultas com o fisioterapeuta Francisco Briglia, o Chicão, famoso por métodos alternativos como a acupuntura e cinesiologia. As contusões reduziram em 2012, ano que marcou a conquista tricolor do Carioca e do Brasileirão. Eleito melhor jogador do Estadual, Deco vivia seu ápice nas Laranjeiras, renovando as esperanças para novamente tentar a Libertadores. 

Veio 2013, e com ela a tristeza que Deco tentava disfarçar ao segurar as lágrimas na saída do gramado do Maracanã. Foram menos de 20 minutos na vitória por 1 a 0 contra o Goiás, mas o suficiente para provocar a quarta lesão no ano e a certeza de que o corpo não obedecia mais. Nos vestiários, Deco chorou e recebeu apoio dos companheiros, mas manteria a decisão de se aposentar.

Antes disso, o teste positivo para doping em jogo do Carioca já havia derrubado ainda mais o 'Mago'. A suspensão preventiva de 30 dias por ter sido flagrado com hidroclorotiazida (diurético que combate a hipertensão arterial) e carboxi-tamoxifeno (metabólico do tamoxifeno) tirou o meia do torneio sul-americano, onde o Flu seria eliminado nas quartas de final, pelo Olímpia. O caso prossegue e terá novo julgamento, agora no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva).

"Se soubéssemos da intenção dele, a gente conversaria de outra maneira, tentaria convencê-lo a ficar. Mas foi uma decisão do Deco, por isso a gente respeita", disse o vice de futebol do Fluminense, Sandro Lima.

DECO RELEMBRA ESTREIA NO FLUMINENSE E PRIMEIRO GOL NO TRICOLOR

A relação com o ídolo Fred sempre foi de respeito mútuo, apesar de pouca intimidade. O camisa 9 é porta voz dos atletas em reivindicações aos dirigentes e um dos que mais cobra os companheiros durante os jogos. Deco, por sua vez, falava muito menos, principalmente com os mais experientes, se mantendo menos envolvido nos debates internos.

Um episódio ficou famoso no clube em 2012. Alguns jogadores treinavam calçando apenas chuteiras, sem meias, causando bolhas e feridas nos pés. O departamento de futebol, então, obrigou que todos usassem meiões nas Laranjeiras para evitar o problema. Irritado, o ex-meia continuou jogando com meia soquete no dia a dia e só aderiu a recomendação tempos depois, a contragosto.

A rescisão com Deco irá gerar uma economia de aproximadamente R$ 500 mil ao Fluminense até o final do ano, além de R$ 2,5 milhões à cooperativa de saúde que patrocina o clube. A verba 'extra' pode até ser destinada para novas contratações, mas esse não era o planejamento, segundo o técnico Vanderlei Luxemburgo.

"Isso é um assunto interno que vamos tratar com calma. O Deco saiu e não dependia disso para contratar ou não contratar. Não era em função do Deco. Esse assunto não tem nada com vocês [jornalistas]. Vamos conversar".

Carreira e títulos
Deco atuou pelas categorias de base do Nacional-SP e depois foi para o Corinthians, onde começou a carreira em 1996, lançado pelo técnico Valdir Espinosa. Depois, jogou por CSA-AL, Alverca-POR e Salgueiros-POR. A chegada ao Porto-POR, em 1998, quando trabalhou com o técnico José Mourinho, representou o destaque no cenário mundial, com a conquista da Liga dos Campeões de 2003/2004.

O bom momento no time português despertou o interesse do Barcelona, que o contratou em 2004. Na equipe catalã viveu seu melhor momento, com outros cinco títulos, um deles também da Liga dos Campeões. A chegada de Pep Guardiola reduziu o espaço do camisa 20, que se transferiu para o Chelsea e por final para o Fluminense. Conquistou 23 títulos somados todos os clubes e seleções e disputou 686 jogos, anotando 116 gols. Na seleção de Portugal disputou duas Copas do Mundo e duas Eurocopas em sete anos.

RONALDINHO HOMENAGEIA DECO NO TWITTER: "APRENDI MUITO COM ELE"