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Tite troca espera pela seleção por aprendizado com Bayern e Barcelona

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

04/12/2013 06h00

Depois do último adeus ao Corinthians, Tite deve voltar a ser estudante. Nos primeiros meses após o fim do casamento com o clube, o técnico pretende conversar com outros treinadores, fazer um curso na Europa e ver de perto forças como Bayern de Munique e Barcelona. Quem quiser tê-lo em seu clube, porém, não precisa desanimar. Um dos favoritos para substituir Felipão após a Copa, ele diz que não vai esperar uma vaga na seleção brasileira por seis meses.

“Quero assistir ao Bayern ao vivo, quero assistir ao Barcelona ao vivo, para fazer um comparativo. Na época do Guardiola, ele marcava a bola parada por setor, por exemplo, e agora é individual. Eu não gosto muito de marcação individual, acho que não é o melhor, mas quero ver se ela traz um benefício. Só não quero assumir um compromisso de que vou fazer porque daqui a pouco surge uma oportunidade, mas eu tenho tudo isso em mente”, disse o treinador, em entrevista exclusiva para o UOL Esporte.

Além das visitas aos gigantes, Tite conversará com Zagallo e o argentino Carlos Bianchi, e pretende fazer o curso de treinadores da Uefa em Portugal, em fevereiro. Daí em diante, embora deixe a seleção em seu radar, ele está aberto para ouvir propostas e não vai ficar em compasso de espera pela vaga que hoje é de Luiz Felipe Scolari.

“Não vou ficar criando essa possibilidade. Eu sei que, pelos trabalhos executados, pelo reconhecimento dos títulos, isso naturalmente credencia a ser [candidato à vaga], mas tem quatro, cinco, seis outros que têm a condição. Não vou ficar [esperando]. Vou ficar crescendo”, disse Tite.

Na entrevista a seguir, o treinador fala sobre esses e outros temas, admite algum desconforto com a forma como foi definida sua saída, reclama de algumas críticas e dá detalhes de seus últimos passos no clube. Veja a íntegra da conversa:

UOL Esporte: Desde que foi feito o anúncio de que você não seguiria, qual homenagem recebida te marcou mais?
Tite:
Posso elencar mais de uma? A placa dos funcionários. A placa que colocou: ‘Tite, obrigado pela maneira carinhosa e tratando todos de forma igual. A gente vai sentir bastante saudade’. A surpresa quando eu saí da minha sala e estava todo o pessoal. Ela e a manifestação da torcida. Eu sabia que ia ter alguma coisa, mas não imaginava uma coisa tão carinhosa. Achei que ia ter menos que a metade daquele público. A torcida do Corinthians me deu uma lição. Ela cobra muito, exige muito, mas reconhece também.

UOL Esporte: Deu para ver a sua emoção na sexta passada, quando recebeu a placa dos funcionários. Ela não fala em títulos ou conquistas, mas do trato pessoal com eles. Foi isso que mexeu mais com você?
Tite:
Sim. E tem mais um episódio, quando o dr. Ademir [Carvalho, presidente do Conselho Deliberativo] e Guilherme [Strenger, vice do mesmo órgão] vieram atrás de mim no vestiário. Disseram: ‘Nós queremos te agradecer, não por títulos ou vitórias, mas pela maneira digna que você se portou como técnico do Corinthians’. Quando ele terminou aquilo ali... Ele tá acima. Eu tive isso do funcionário e do presidente do Conselho. Fico feliz, gratificado.

UOL Esporte: No futebol, é comum que pessoas próximas se manifestam em situações do tipo. O Paulinho, por exemplo, disse que te desejou boa sorte por mensagem de texto. Mais pessoas tiveram atitudes parecidas?
Tite:
Teve essa conversa com o Paulinho, é verdade. O Alexandre [Moreira, um dos vice-presidentes do clube], do Inter, disse: ‘Pô, estou assistindo ao jogo aqui no Sul e me emocionei, estou à beira do choro pelo reconhecimento. E tu estás jogando com o meu Internacional’. Ele usou adjetivos, disse que sou especial, desejou sucesso. Um gremista, dr. Homero Bellini, que foi diretor jurídico quando eu estive lá, disse: ‘Cara, é inacreditável. Estamos assistindo aqui, e o quanto é bonito assistir. Imagino como é para você estar aí. Parabéns, tu merece. E um dia a gente te espera de volta’ [risos].

UOL Esporte: Quando você chegou ao clube, em 2010, você esperava tantos títulos?
Tite:
Não. Essa gama de títulos, não. Tem uma coisa que eu faço. Eu sempre olho para o próximo passo, para o próximo momento. A caminhada é feita de passos, e esses passos vão abrindo possibilidades, vão chegando mais perto de títulos. Eu queria um titulo com grandeza, não imaginava três. Eu imaginava um e ficaria muito feliz. Entendo que um ciclo com esse número de vitórias é difícil de se ter. Até brinco com o pessoal, se quiserem me contratar para ter o êxito que teve no Corinthians, não vai ter.

UOL Esporte: Mas agora você elevou a barra.
Tite:
Mas não tem fórmula mágica. Se eu tenho a inteligência de valorizar a equipe de trabalho, onde eu for vai ter de ter uma equipe toda boa pra que potencialize.

UOL Esporte: Seus trabalhos anteriores têm pontos positivos, mas o atual é diferente porque você conseguiu bater títulos mais vezes, como você gosta de dizer. E muito disso ocorreu porque houve uma continuidade. Você acha que a aposta na duração dos trabalhos dos treinadores pode ter sido seu grande legado no Corinthians?
Tite:
Um dos [legados]. E veio do próprio Corinthians, em um momento de adversidade. Não foi uma coisa pequenininha. Ele pegou em uma situação de desclassificação de uma Pré-Libertadores, que era o maior sonho da história do clube. O mesmo cara que é reconhecido porque trouxe o titulo parou na Pré-Libertadores. O quê aconteceu? Reciclou, recondicionou. Planejamento é para isso. Ciclo é para reciclar, a gente vai ajustando. Corinthians deu esse legado. Vamos sentar e ajustar o que está errado. Precisa de qualidade técnica? De um fisiologista, melhor preparador físico, um diretor que cobre mais, respalde mais, nos dê mais tranquilidade? O que a gente precisa? Funcionários de competência? Estrutura?

UOL Esporte: Você acha que agora, treinadores como Ney Franco, Dorival Júnior, Caio Júnior, que ainda não tiveram esse título redentor, podem sentar com seus diretores pra dizer: ‘Olhem o trabalho do Tite. Ele conseguiu aquilo quando deram tempo para ele’?
Tite:
Vou dizer uma coisa, sem ser pretencioso. É desnecessário dizer. Vocês [imprensa], o tempo de trabalho, o reconhecimento... O diretor vai olhar, pensar duas, três vezes e dizer: ‘Eu vou reconduzir’. O Andrés fala isso. Existem técnicos com patamar de conhecimento muito parecido. Às vezes é o perfil, é o jeito de usar um jogador. Não é o técnico que ganha. Não bota ele no estrelato maior que não é só ele. É o conjunto. E os diretores mais inteligentes poupam dinheiro para investir mais em atletas do que pagando rescisões. Eu não tenho multa contratual, mas o cara tem de pagar os dois, três meses depois [de contrato restante]. Dois, três meses depois o cara está pagando dois técnicos. E pode contratar um jogador com esse dinheiro. É uma coisa racional. Pega os erros que cometeu. É mais lógico, inteligente e a posição de sucesso é maior.

UOL Esporte: Nos últimos dias, você compilou uma série de estatísticas, dizendo, entre outras coisas, que o time com Guerrero e Renato Augusto teve mais aproveitamento que o Cruzeiro, por exemplo. Você selecionar isso dá a impressão de que achou as críticas recebidas no segundo semestre como injustas. Ou, ao menos, parece que você está querendo mostrar que algumas coisas de fato atrapalharam, além de eventuais erros, como as lesões. É por aí?
Tite:
É primeiro encontrar uma resposta para mim, para qualificação profissional. É saber que há erros de substituições, erros naturais de escolha. Eles estão no conjunto da obra. Erros físicos em algum momento, no calendário. Lembro do jogo com o Tijuana, em que nem dormi direito e fomos jogar. Uma loucura. E passar isso não como justificativa, mas mostrar meu nível de conhecimento para as pessoas refletirem a respeito. Teve um decréscimo técnico de alguns atletas. Tudo isso é abordagem. Esse [lesões] é um dos fatores que elenquei como principais. Gosto de ter ideia, mas dizer por que, desenvolver linha de raciocínio. Dizer que fiquei chateado? Fiquei, não vou negar. Com uma, de que ‘Ah, ele foi amigo dos atletas e não quis tirar quem foi campeão do mundo com ele’. Gente, o Gil assumiu a posição do Chicão. Eu recebi essa crítica, mas é injusta. É de quem não tem avaliação sobre o trabalho. Eu tirei o Chicão. Quando ele voltou, eu disse: ‘Chicão, o Gil está bem, agora tem de esperar o seu momento’.

UOL Esporte: No meio do ano, você já tinha trocado meio time do Mundial, e só o Paulinho sem ter sido por opção sua.
Tite:
Sim. Então, essa crítica é oportunista. Porque então poderia ser feita depois do Brasileiro. Tem de ser grato ao Júlio César, mas nós trouxemos o Cássio. Tem de ser grato ao Chicão, que não jogou. O Pato assumiu a titularidade, o Emerson saiu. Danilo saiu, Guerrero saiu, Jorge Henrique saiu, Douglas saiu, outros se firmaram. Me encontre argumentos para dizer isso. Podia ter sido depois do Brasileiro, da Libertadores, do Mundial, do Paulista. Agora vem falar isso? Isso é oportunismo.

UOL Esporte: Foi noticiado que você sai do Corinthians chateado com a diretoria, mas o torcedor viu você dando entrevista ao lado do presidente, elogiando os dirigentes e o clube. Houve um esforço da sua parte para que saísse todo mundo bem, e não com cara de rompimento, de insatisfação?
Tite:
Nós merecemos isso. Pelo trabalho, nós merecemos. Independentemente dos erros, das diferenças, e elas acontecem em uma relação de tantos anos. Tantas coisas boas que nós construímos, tantas coisas boas que nós conquistamos. É natural, é lógico, após a gente sentar... Claro que o sentimento fica de continuar. Poxa, quem não quer ser técnico do Corinthians? Quem não quer ter uma continuidade, ter o caminho? Claro que um lado meu acabou sentindo. Mágoa, absolutamente. Fica o reconhecimento grande do trabalho. Tive o respaldo, sabe? Uma relação legal, que teve dez acertos e dois erros. Falar do erro com esse número de acertos, vamos falar de perfeição, não é? E aí não vamos falar de ser humano.

UOL Esporte: O que vai acontecer daqui em diante? Você já falou de uma conversa com Zagallo e Carlos Bianchi, e de fazer o curso de treinadores da Uefa. Você está abrindo seus horizontes como fez há alguns anos, quando viajou para a Europa para ver a Juventus do Fabio Capello jogar?
Tite:
Sim, absolutamente correta a linha de raciocínio. Tu abres oportunidades profissionais de crescimento. Quero assistir ao Bayern ao vivo, quero assistir ao Barcelona ao vivo, para fazer um comparativo. Na época do Guardiola, ele marcava a bola parada por setor, por exemplo, e agora é individual. Eu não gosto muito de marcação individual, acho que não é o melhor, mas quero ver se ela traz um benefício. Só não quero assumir um compromisso de que vou fazer porque daqui a pouco surge uma oportunidade, mas eu tenho tudo isso em mente.

UOL Esporte: Como você vai ver a Copa do Mundo?
Tite:
Essa preparação vai acontecendo, mas não sei como vai ser. Vou ter esses dois meses com certeza, mas tenho de negociar com a minha mulher. Esse curso [da Uefa] foi estratégico. Se for em fevereiro, já levo ela para Portugal. Ela fica em um apartamento legal, e eu faço o curso contando como férias com ela. Já ganho um tempo [risos].
Nota da Redação: O curso ocorrerá em Figueira da Foz, em Portugal, e é uma das portas de entrada para treinadores no mercado europeu.

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UOL Esporte: Você já falou bastante sobre seleção brasileira. Está certo dizer que seria legal ter a seleção, mas que você não vai esperar por isso? Que se vier uma proposta interessante no caminho você pode aceitar?
Tite:
Certo. [Se for] uma perspectiva de crescimento profissional, de evolução, de reiniciar um trabalho. Não vou ficar criando essa possibilidade [de seleção]. Eu sei que, pelos trabalhos executados, pelo reconhecimento dos títulos, isso naturalmente credencia a ser [candidato à vaga], mas têm quatro, cinco, seis outros que têm a condição. Não vou ficar [esperando]. Vou ficar crescendo. O que eu não vejo, por exemplo, é a possibilidade de um clube inglês. Tem de ter domínio de língua, senão é ilusório.

UOL Esporte: Você corta essa possibilidade?
Tite:
Sim, corto.

UOL Esporte: Mas para todos os europeus?
Tite:
Não, eu posso ter um italiano. Porque eu compreendo e, se fizer um curso legal, pode ser uma perspectiva, vou conseguir falar.

UOL Esporte: Por que técnicos argentinos e chilenos fazem sucesso no exterior, enquanto os brasileiros não?
Tite:
Se você pegar o número de oportunidades de profissionais desses países, principalmente argentinos, vai ver que é muito maior. Uma das coisas é o problema da língua. Outras talvez dessa própria preparação. Aí eu quero fazer um pouquinho de carreira. Eu não vou fazer inglês porque não vou ter inglês fluente. Não vou ter uma interação dentro do treinamento. Ali tem de ser em tempo real, tem de ter domínio. Só se for uma coisa extraordinária, senão você está fechando portas para um clube inglês. Vou dar prioridade para um italiano, para um espanhol onde eu compreenda, para um português que fica muito mais fácil, ou primeiro para o Brasil, porque quero minha possibilidade de sucesso maior.

UOL Esporte: Para finalizar, o quão legal, importante, seria treinar a seleção brasileira?
Tite:
Não sei. Talvez eu possa te responder... Vou guardar essa pergunta se surgir a possibilidade [risos]. Cara, mas a maior pressão que eu tenho é minha. Quando tem essa pressão de fazer sempre o melhor, da melhor maneira possível, se eu vou treinar o Guarani de Garibaldi, que foi onde eu comecei, ou a seleção brasileira, não vai mudar minha maneira de trabalhar. O que vai mudar é o número de pessoas, de torcedores, mas minha busca por excelência vai ficar igual.