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Jogo do Marroquino tem hino para Atlético-MG e veto a mulheres na torcida

Luiza Oliveira

Do UOL, em Marrakech (Marrocos)

16/12/2013 13h05

Um marroquino faz um prato típico a base ovos e carne moída sem qualquer higiene, o vendedor comercializa blusas piratas do Kawkab Athletique Club Marrakech  dentro do estádio, a torcida organizada faz jus ao nome Crazy Boys e proíbe mulheres. Nada de fair play, zona mista, burocracias, credenciamento. Aqui não tem padrão Fifa.

O futebol no Marrocos vai muito além do Mundial de Clubes e o campeonato local, mais conhecido como Botola, leva pessoas enlouquecidas e amantes do futebol ao estádio. Revela verdadeiramente peculiaridades do país.

A torcida organizada Crazy Boys dá um show à parte. Não para de cantar e pular um segundo, transformando o jogo em um belo espetáculo. E até surpreenderam ao fazerem um grito de guerra para o Atlético-MG.

Ao avistarem jornalistas brasileiros, entoaram o canto: “Ohh Atlético Mineiro, ohh Atlético Mineiro”. Até o técnico alvinegro já é conhecido entre os marroquinos e algumas crianças gritavam ‘Cuca, Cuca’. Os gritos de Galo também eram ouvidos na torcida.

Mas algumas coisas realmente não mudam. Assim como no Brazil, a Crazy Boys dá trabalho para a polícia que alerta os mais inocentes: ‘cuidado com seus pertences, eles não perigosos’. De fato, alguns integrantes chegam a intimidar. Mas o ambiente fica perigoso mesmo quando a facção encontra a Ultras Shark, torcida organizada do OCS, maior rival do KACM.

Mulheres não pode fazer parte dos Crazy Boys, e não é muito aconselhável que elas fiquem no mesmo setor atrás de um dos gols. A jovem Sara Belkasse, de 18 anos, tem alguns amigos na organizada, mas admite. “Eles são maus. São loucos mesmo e brigam muitas vezes. Mas eu gostaria de ficar lá, é divertido”.

Sara é uma das raras mulheres no estádio. Junto com sua mãe, talvez a única que não esteja acompanhada de um homem. Torcedora fanática do KACM, ela tem que pedir a autorização do pai para poder frequentar o local. Se o pai não vai, a mãe está presente.

Acostumada com o ambiente desde criança, ela diz que sente segura no cantinho do estádio em que fica sentada, mas o sentimento não é compartilhado.  Ela admite que as mulheres ainda têm medo, apesar de serem tratadas com respeito por todos no local.

O estádio de Marrakech, no entanto, está longe de ter clima amedrontador. É possível ver figuras simpáticas e dóceis como o torcedor símbolo do tíme, Mahjoube Ganife. Com 72 anos, ele acompanha todos os jogos da equipe e da seleção marroquina desde 1964. Uma espécie de ‘guru’ que tem grande popularidade na cidade e tudo o que ele canta a torcida repete.

Assim, a tarde de domingo com futebol em Marrakech tem clima familiar, com crianças, comidas típicas simpáticos vendedores de doces de amendoim e chega a lembrar o estádio do Juventus, na Rua Javari. Pelo tamanho, pela cor avermelhada e simpatia.

As semelhanças com a capital paulista são ainda maiores quando um torcedor com a camisa do São Paulo é visto nas arquibancadas. Jawad Hijr é marroquino e conta que ganhou a camisa de um amigo brasileiro. Apesar de não saber muito sobre o Tricolor, já reconhece Rogério Ceni. Sabe que é ídolo do time e conhecido por marcar muitos gols.

Com o clima amistoso, o policiamento tem mais trabalho com a imprensa brasileira que quer circular livremente pelo estádio do que com os locais. Até porque seguranças não faltam. São 500 homens para os cerca de 4 mil torcedores presentes no estádio. De olho nas brigas, eles só não dão muita bola para a pirataria. Curiosamente, dentro do estádio em uma área nobre tem um vendedor de produtos do clube. Todos falsificados. Mas é possível encontrar acessórios, camisetas, faixas e bandeiras como recordação.

Diante das peculiaridades, o jogo fica em segundo plano. Até porque o futebol apresentado, assim como todo o evento, está bem distante do ‘padrão Fifa’. Poucas chances de gol, reclamações da torcida e um 0 a 0 entre KACM e Renaissance de Berkane. Também não dá para reclamar muito com um ingresso no valor de 20 dirhams, o equivalente a R$ 5,70.

O time local ocupa agora a quinta colocação no Campeonato Marroquino, enquanto o adversário é oitavo. Mas isso é o que menos importa em um dia de futebol em Marrakech.