Raiva e ternura marcam dérbi de imigrantes Portuguesa x Juventus no Canindé
Um senhor de mais de 70 anos, camisa verde-rubro número 13, bermuda bege, sapatos pretos, cabelos brancos, ralos e revoltos, está muito, muito irritado.
Caminha de ponta a ponta da arquibancada, jogando os braços ao céu e xingando com palavrões impublicáveis antigos desafetos, diretores e presidentes, jogadores e técnicos, o trio de arbitragem e suas respectivas mães.
Ele parece uma figura fora de lugar. Você olha em volta e não vê motivo para tanta irritação. É uma noite agradável de verão e no campo do Canindé à nossa frente, Portuguesa e Juventus voltam a fazer o "clássico dos imigrantes" depois de três anos de afastamento.
Juventus volta a vencer Portuguesa como visitante após 33 anos
No lado lusitano da arquibancada, famílias inteiras, mulheres e crianças, adolescente e barbudos se reúnem para ver de perto a Portuguesa, que não jogava oficialmente em casa desde outubro do ano passado.
No lado italiano, a torcida do Juventus canta sem parar, criando uma atmosfera de final de campeonato argentino em pleno segunda divisão paulista.
Mas aquele senhorzinho, alheio a tudo isso, se aperta contra o alambrado e profere mais uma vez seu rosário de xingamentos, agora especialmente dirigidos ao bandeirinha, que acabara de marcar impedimento claríssimo contra a Portuguesa. “Você está roubando a gente, seu bandido!”
Todos no Canindé o conhecem como Sardinha, e alguém me explica que ele é o torcedor mais fanático e exigente da Portuguesa. Me aproximo, me apresento como jornalista e peço para tirar uma foto.
Ele reage como se estivesse vendo um ET, esbugalhando os olhos e silenciando por alguns segundos.
“O que você quer?”
“Uma foto”
Ele dá um passo atrás e, ainda com a expressão de quem parece não sorrir há séculos, balança a cabeça autorizando o clique.

Raízes
Mas essa noite de futebol tinha começado ainda à tarde, quando encontrei cerca de 40 torcedores juventinos na Mooca, zona leste de São Paulo, e caminhamos em direção ao Canindé, na zona norte.
Eles são muito jovens e articulados, bem alimentados e educados, e fazem parte de uma torcida conhecida tanto pelo amor ao Juventus quanto pelo desprezo a todos os outros clubes do planeta.
(Para ser franco, muitos deles torcem também para times grandes, mas dizem ter um carinho inexplicável pelo Juve.)
Pregam o ódio ao futebol moderno e orgulham-se das raízes operárias, corticeiras do time, embora pareça improvável que algum deles tenha alguma vez pisado no chão de uma fábrica ou de um cortiço.
“Meu pai tem muita grana, é dono de um negócio de aviação particular”, me informa um deles depois que eu pergunto sobre o background social da organizada. Trata-se de um garoto baixo e simpático, vestido com uma camisa retrô do Juventus. “Mas eu sempre me identifique com essa coisa operária da Mooca, é uma coisa que a gente não perde fácil.”
Dentro do metrô, o pessoal se amontoa em um único vagão e começa o tradicional alento ali mesmo. São cânticos de amor e fidelidade ao Juventus e de provocação aos times “de arena”. Um dos caras se empolga e começa a bater no teto do vagão. Outro reage: “Não bate no metrô não, cara, não vamos depredar nosso patrimônio.”
Seus cânticos ecoam ainda mais alto nas paredes da estação e, empolgados, eles chegam ao estádio, se juntam a outros juventinos. E todos eles, milhares deles, de repente estão lotando a área destinada aos visitantes.
Faz dois anos que eles não pisam ali, mas parecem se sentir em casa.
Ao todo, mais de 7 mil pessoas assistiram ao clássico, público maior que a soma dos pagantes das partidas de Flamengo, Botafogo e Fluminense no último final de semana.

Aos 22 minutos do primeiro tempo, Adriano Paulista acertou um chutaço no canto do goleiro e abriu o placar para o Juventus. O setor visitante explodiu. Seria a primeira vitória sobre a Portuguesa em 33 anos. Seria a segunda vitória do Juventus em 2016.
Por causa disso, quando o juiz apitou o final do jogo, uma parte da torcida cantou, outra parte se abraçou, mas a maioria cantou e se abraçou ao mesmo tempo.
"E na padaria, o portuguêêês
Não quis vendeeer
O sonho doce que o moleque quis comeeer
Já se acabooou..."
"Já se vê, já se vêêê
Quem não canta
é portuguêêês..."
Os “portugueses”, do outro lado, faziam fila para sair do estádio e, cabisbaixos, se contentavam em xingar o próprio clube e chamar os rivais de almofadinhas.
Na rua Zurita, em um bar do tipo pé sujo, quatro derrotados afogavam as mágoas em cerveja quando o ônibus transportando os atletas do Juventus saiu do estádio. Os torcedores da Portuguesa então se levantaram. Diante da equipe que acabara de vencê-los e empurrá-los ao fundo da tabela, começaram a aplaudir.
"Jogaram muito!", gritavam para dentro do ônibus, com polegares ao alto para reforçar a intenção. “Isso é que é time!”
Não havia um pingo de sarcasmo naquelas palavras.
"Vamos confessar", iniciou um deles depois que o ônibus sumiu. "Essa torcida do Juventus é inacreditável. O que eles fizeram aqui hoje tem muito time grande que não faz."
Ninguém discordou.
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