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Atletas olímpicos encontram carreira no Cirque du Soleil após aposentadoria

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

17/05/2013 06h00

Quem vê as garotas maquiadas nos trapézios ou os rapazes fantasiados em camas elásticas em espetáculo do Cirque du Soleil não percebe, mas está assistindo a alguns dos maiores talentos esportivos do planeta. A maioria, com pedigree olímpico. Nos últimos anos, a trupe canadense, que soma mais de 1500 artistas espalhados em espetáculos pelo mundo, se transformou em um dos maiores destinos para atletas após o fim da carreira no esporte.

Os alvos são modalidades que não contam com grandes patrocinadores e, além disso, tem carreiras mais curtas. Ginastas são os preferidos. Mas atletas do nado sincronizado, por exemplo, também são observados. O Cirque costuma mandar olheiros para campeonatos mundiais e Olimpíadas, distribuindo cartões para os mais promissores. Com a Federação Internacional de Ginástica tem um convênio antigo, com clínicas de coreógrafos e programas de treinamento.

Veja o exemplo de Damian Istria. Aos 23 anos, ele já tinha duas Olimpíadas no currículo, um sétimo lugar na barra fixa em um Campeonato Mundial e não aguentava mais a rotina que o esporte o obrigava a viver. Trabalho, treinos e faculdade, tudo ao mesmo tempo, sem a dedicação ideal para nenhum deles. Quando surgiu o convite para o circo, não pensou duas vezes. “Eu era novo. Ainda gostava da fazer acrobacias,mas não conseguia mais viver do esporte. Na Austrália, ser ginasta não dá dinheiro. Com o circo, tive a chance de fazer o que gosto por mais alguns anos”.

Anos de treinamento em acrobacias

A história do australiano é comum dentro da trupe do Cirque du Soleil. Dos 1500 artistas, um terço é formada por ex-atletas de alto nível. Em São Paulo, o circo canadense está apresentando o Corteo. No elenco está uma das melhores ginastas que o Brasil já produziu. Camila Comin foi a duas Olimpíadas e, em uma delas, chegou à final geral individual – terminou em 16º lugar, ainda hoje uma das melhores performances da história do país na modalidade. No show, é uma das trapezistas, mas também interpreta um anjo e, ocasionalmente, faz acrobacias no número de barras (chamado Tournik).

Outro exemplo é o norte-americano Duke van Fleet. Ele ganhou bolsa na faculdade para fazer parte da equipe de ginástica. Chegou até a seleção dos EUA. Mas, no último ano do curso de contabilidade, percebeu que ainda não estava preparado para a vida em um escritório. “No último ano, descobri que não queria trabalhar com contabilidade. Então um amigo foi convidado para o Cirque du Soleil, não aceitou o convite, mas me indicou”.

A escolha de ex-ginastas mostra muito sobre o esporte e sobre o circo. Durante anos, os atletas são criados para fazer acrobacias para os juízes, A carreira é uma das mais exigentes entre todos os esportes. O treinamento é rigoroso e extenso. O risco de lesão, altíssimo. A necessidade de controle de peso, imensa. Entre as mulheres, a aposentadoria chega cedo, na maioria das vezes antes dos 25 anos – entre os homens, a idade avança um pouco mais. Com atletas vindos da modalidade, o circo ganha jovens treinados, acostumados a rotinas de preparação espartanas e já aposentados de seu sonho.

O tempo de circo

Essa, aliás, é uma das diferenças entre os atletas e os artistas circenses natos. Enquanto quem chega das escolas de circo ao Soleil está atingindo o maior patamar da carreira, para os esportistas é o início da transição para o mundo real. Uma das coisas em comum entre os atletas é a falta de familiaridade com o espetáculo circense no início da nova carreira. “Eu nunca imaginei virar artista de circo. Quando era criança, brincava que iria fugir com o circo, mas nunca passou de coisa de criança”, fala Damian. O mesmo acontece com Duke, com quem o australiano divide o número do Tournik, em que até 12 atletas se balançam em barras (similares às barras fixas da ginástica masculina).

Com isso, nenhum deles levou, no início, a carreira muito a sério. A ideia de Duke era ficar na trupe por dois ou três anos. Já está há sete – igual a Damian. “No começo, meus amigos diziam que eu tinha o melhor emprego do mundo. Viajava o mundo fazendo o que gosto. Acham que vivemos como roskstars. Hoje, todos eles ganham mais dinheiro do que eu e, ao me ver, perguntam como o corpo aguenta. E até quando eu vou continuar fazendo. Mas hoje eu faço parte do circo, sei que pertenço a essa ambiente é aqui que me encontro”, conta.

De atleta a artista

Parece o mundo ideal, mas a transição não é tão fácil. É verdade que o Cirque du Soleil usa, ao máximo, as habilidades atléticas de seus artistas. No número de Camila, por exemplo, várias trapezistas voam a vários metros do chão, se balançando de um lado para o outro, ao mesmo tempo - a designação de trapézio, aliás, não é exata, já que as acrobatas são jogadas por por outros artistas, homens, gigantes e fortes. Já na apresentação de Duke e Damian, são até 12 atletas girando em barras.

O principal ponto do espetáculo, porém, é união dessas acrobacias com o lado artístico. Algo para o qual os ex-atletas não foram treinados. “A parte acrobática é a mais fácil. Difícil é a parte artística. Aprender a me abrir, a doar, a ser parte de algo maior. Na ginástica, é só você. No palco, não. É sobre o público, sobre dar a quem veio te assistir a melhor experiência possível”, explica Van Fleet.

Para fazer essa junção, os novatos são submetidos a um programa rigoroso de preparação. Quem chega à trupe passa por meses de treinamento intensivo no Canadá. Além da preparação física, passam por aulas de teatro, de clown (a arte dos palhaços) e de canto, por exemplo.

“Eu ainda canto muito mal, por exemplo, mas o mais difícil é encontrar o seu personagem. Sair da concha. Você precisa estar pronto para fazer coisas diferentes todos os dias. Às vezes, tem de dançar na frente de todo mundo. Eu faço um jogador de golfe. Você tem de sair da zona de conforto e aprender a focar sua energia para que as pessoas acreditem no que você está interpretando. E eu nunca achei que essa parte seria um desafio tão grande. Imagine ter seu chefe, todos seus instrutores e outros artistas de circo na sua frente, e você tendo de imitar um macaco. Isso é muito difícil”, fala Istria.

Treinamentos duros

Com tanta adaptação, você deve imaginar que a rotina dos artistas-atletas seja parecida com a dos dias de competições. Mas não é exatamente a mesma coisa. Com dez apresentações a cada sete dias, os artistas ensaiam cada número uma vez por semana. O ritmo chega com os shows constantes. “Na ginástica, você trabalha em ciclos. Vai desenvolvendo físico e técnica aos poucos, para chegar ao auge nas Olimpíadas. Aqui, no circo, você tem de manter o mesmo nível de preparação durante todo o tempo. É mais um trabalho de manutenção, mas você precisa saber que deve estar pronto para atuar com perfeição toda noite. E não é fácil. Podemos fazer até dez shows por semana”, segue o australiano.

Essa diferença entre manutenção e desenvolvimento faz com que a rotina diária dos circenses não seja tão puxada. “Nós treinamos uma vez por semana cada número. Para fazer ajustes pontuais. Mas como apresentamos o número quase todos os dias, esse treino já vale. Com acrobacias, a evolução já está feita, não existe muito mais o que tirar de lá. O que precisamos sempre trabalhar é o lado artístico”, fala Duke.

Para isso, o Cirque du Soliel promove uma série de encontros de aprendizagem. Com inúmeros shows sendo apresentados em todo o mundo, profissionais da trupe viajam pelos diversos países, fazendo workshops e avaliações constantes com os diferentes elencos.

Carreira no circo: é legal?

Uma das características mais engraçadas dos atletas circenses é a reação dos amigos à função. Na maioria dos países, ser ginasta, por exempo não é uma atividade das mais nobres. Faz o atleta ter uma vida regrada, o  tempo para amigos é escasso e, quase nunca, rende grandes salários. Enquanto isso, o prestígio do Cirque du Soliel é mundial e seus artistas são tratados como celebridades. “É engraçado. Quando era apenas ginasta, ninguém dava muita bola. Quando entrei para o circo, todos ficavam impressionados e comentavam”, lembra Duke.

Apesar desse lado glamouroso, a rotina social dos artistas não é das mais agradáveis. Com apresentações quase diárias, eles só deixam o trabalho após a meia noite. “E como você fica ligado com a adrenalina do espetáculo, só consegue dormir às 3h, 4h da manhã. Seu dia acaba sendo bem diferente daquele que as pessoas normais tem”, afirma Damian. “Sem contar as viagens. Eu só fico em casa duas semanas por ano. Tem gente que não aguenta”.