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Syang conta como jiu-jítsu domou sua rebeldia. Ou parte dela

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

25/02/2014 06h00

No começo dos anos 2000, Silvio Santos fez uma jogada de mestre. Alguns meses antes da Globo estrear o BBB, o dono do SBT lançou quase na surdina o seu próprio reality show, a Casa dos Artistas. Com algumas celebridades, o programa logo virou um sucesso e teve mais três edições.

Uma das participantes mais polêmicas do reality show deu uma sumida e mudou um bocado desde então. Syang hoje é uma quarentona, mas os mesmos cabelos loiros, o físico em cima e as numerosas tatuagens parecem ter mantido a roqueira parada no tempo. As transformações vieram em outro campo. Hoje, além de empunhar a guitarra, ela trabalha de quimono e conta que o jiu-jítsu mudou sua vida e domou sua rebeldia.

Domou em parte, garante Syang: “Sou total rebelde, sempre. Não tem jeito!”. Mas os 40 anos de idade e as duas filhas que cria junto ao professor e lutador de jiu-jítsu Eduardo “Português” Santoro deram uma “encaretada” na brasiliense, que por outro lado descobriu a paixão pelo esporte, a ponto de competir internacionalmente encarando até rivais mais jovens.

O lado lutadora surgiu logo depois da Casa dos Artistas. Syang era uma das figuras polêmicas da segunda edição do reality show apresentado por Silvio Santos. Depois de ser eliminada – foi a sétima a sair, logo após Vitor Belfort -, começou a fazer aulas de boxe e ficou por quatro anos vestindo as luvas. Ao mesmo tempo, começou dois namoros: um com Português, que treinava na mesma academia que ela, e outro com o jiu-jítsu, já que ela via os treinos da arte suave acontecerem bem ao lado dos seus.

“Eu amava a época dos primeiros UFCs, com o Royce Gracie, e também o Pride e as lutas do Mike Tyson. Eu delirava, fazia pipoca para comer assistindo. Com uns 13 anos, meu sonho era fazer kung fu. Mas, passou o tempo e acabei fazendo boxe, depois da Casa. Na academia, eu via o pessoal do jiu de quimono e era louca para vestir um e treinar. Mas tinha acabado de sair do reality, eram só homens, ficava meio assim... Foi lá que conheci o Português e passamos a nos olhar e paquerar. Começamos a namorar, e quando ele foi para outra academia, falei que entraria na aula dele para engrossas a turma. Fui, quase morri, e nunca mais parei”, conta ela, em papo na academia que abriu com Português, na Zona Sul de São Paulo.

A habilidade e o traço competitivo de Syang vêm de longa data. Ainda em Brasília, a filha de esportistas vivia subindo e descendo arquibancadas para vê-los e praticava natação e handebol no colégio. No entanto, seu ciumento pai a impedia de ir aos jogos realizados à noite. Foi aí que surgiu a famosa Syang.

“Comecei a dar uma ‘desvirtuada’. Comecei a ser mais rebelde, a fazer tatuagem. Foi bom ter acontecido isso, porque criou meu lado musical, de tocar guitarra, ouvir rock”, explica. Syang começou a carreira com a banda de death metal P.U.S. (sigla para "Porrada Ultra Suicida") e passou também pelo Defalla e uma carreira solo. Paralelamente, fez fama como escritora, com seus contos eróticos.

É claro que a Casa dos Artistas potencializou isso tudo. Mas, também, seu fim a fez se reencontrar com o esporte. Syang lamenta apenas não ter virado “jiu-jiteira” mais cedo. Aos 40 anos, ela ainda tem muitas chances de competir, já que a modalidade tem categorias por idade em seus campeonatos.

'CASA 2' TEVE ROMANCES DE SYANG COM 'GÊMEO' E BELFORT COM JOANA

  • Arquivo Folha

    Syang teve uma passagem marcante pela Casa dos Artistas 2, com seu jeitão de não esconder o que pensava. Um dos destaques de sua participação foi um romance com Gustavo, que ficou famoso como um dos gêmeos do Programa H, de Luciano Huck. Na época, ela era casada com Daniel Sabbá e o caso com Gustavo deu muito o que falar. O relacionamento com Sabbá acabou depois do reality. A Casa dos Artistas 2 teve como vencedor Rafael Vanucci e participantes de destaque como Ellen Roche, André Gonçalves, Ricardo Macchi, e a Tiazinha Suzana Alves.

  • Arquivo FolhaUma outra curiosidade é que esta edição teve um casal que também é famoso no mundo das lutas: Vitor Belfort e Joana Prado. Syang vê uma dupla totalmente nova hoje em dia, já que Vitor e Joana são pais de três filhos e se tornaram bastante religiosos. "Eu lembro que quando o Vitor entrou, a Joana ficou até meio chateada. Eles brigavam muito. Brigavam e se amavam. Ela queria ser mãezona, ter um monte de filhos, e ele também. Acho que eles conseguiram sair de tudo aquilo e têm uma família linda hoje, são um sucesso. Eles conseguiram vencer", elogia Syang. 

A chance de ir para o tatame para de fato lutar veio por influência do marido. “Ele me falou: ‘vamos lá, você é minha carta na manga’”. Português elogia: “Pena que ela começou tarde, porque tem muito potencial. Ela é habilidosa, explosiva, flexível e muito rápida para uma mulher.”

A investida deu certo e, dos quatro eventos que competiu, Syang ganhou três. O último, e mais importante, foi o ouro no Campeonato Europeu, na categoria máster, acima de 30 anos. A expectativa é de ir longe no Mundial de 2014, em que o desafio é maior, na categoria adulta, com mulheres a partir de 20 anos.

Com sua vida atribulada, treinando de segunda a sexta e fazendo shows nos fins de semana, Syang admite que as competições são quase um hobby. Hoje ela combina as rotinas de mãe, aluna e professora de jiu-jítsu – ela dá aula para turmas iniciantes, principalmente meninas -, guitarrista de uma banda de “sertanejo rock” e ainda quer voltar a escrever. Assim, deixa para competir apenas ocasionalmente, quando pode viajar para o exterior e se dedicar exclusivamente aos treinos e campeonatos.

Encaretar sem ser careta

Para Syang, o jiu-jítsu veio com uma mudança de encarar a vida, principalmente ao combiná-lo com a maternidade e a rotina mais adulta que tem hoje em dia. A mulher ansiosa e nervosa do passado deu lugar ao foco e a um pouco mais de seriedade.

“Na época da Casa das Artistas, eu era a mais pura ‘eu’, que era aquela coisa rebelde, que falava sem papas na língua. Quando você está num reality, uma hora a máscara cai, então não adianta você tentar passar uma aparência, é melhor ser você mesmo”, opina Syang. “Antes eu era só eu, podia ser mais louquinha. Agora preciso seguir mais no trilho. Não é que eu dei uma encaretada. Eu gosto de tomar meu vinho, tenho meu lado da música. É que virei mãe, fiquei mais séria”, explica ela.

A lutadora e guitarrista diz que a Casa dos Artistas aparece hoje em sua mente quase como um sonho. “É como se fosse aqueles tempos de escola, que deixam aquela memória remota. Parece que não foi real. Mas a Casa me trouxe grandes coisas, principalmente o reconhecimento das pessoas”, relata Syang, que ainda é paparicada por fãs e curiosos na rua.

“O mundo artístico, essa fase de celebridade, passa. Mas hoje posso dizer que sigo nas minhas duas grandes paixões, que são a música e o esporte”, finaliza a lutadora.

“É a última vez que vou competir. Sou artista!”

  • Reinaldo Canato/UOL

    O título europeu de Syang não veio com vida fácil. Antes do ouro no Europeu, ela quase desistiu. Depois de um intenso treinamento com Rubens “Cobrinha” Charles, no último dia de treinos a “rebeldia” atacou. “Eu já estava falando para o meu marido: ‘ó é a última vez que eu vou competir. Eu sou artista, não quero saber disso!’”. Mas Cobrinha conseguiu resgatá-la e mostrar que Syang estava usando seu lado artista como desculpa para uma possível derrota. “Eu fiquei muito focada. Me concentrei, me vi subindo no pódio com o ouro. E eu via isso mesmo, na minha cabeça. No Mundial que competi antes, eu não conseguia. E agora quebrei essa barreira”, relata a campeã europeia, que já se prepara para tentar repetir o feito e ir longe no Mundial de maio.