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Policial que virou árbitro de MMA já apagou lutador que não parava de bater

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

10/02/2014 06h00

Com 50 anos de vida, Roberto Thomaz é um viciado em adrenalina. Basta ver as profissões que dividem sua rotina: ele é um policial de operações especiais especializado em negociação de reféns e também atua como árbitro de MMA. Trabalhos diferentes, mas cujas experiências se completam, principalmente em cima do ringue, onde ele já teve de usar rápido poder de decisão para finalizar um lutador que não queria parar de bater em seu rival.

Em meio a perigos de vida que sofreu ao encarar sequestradores, cumprir mandados de prisão e ficar no meio de trocas de tiros, Robertão, como é conhecido, hoje diz que ser policial virou hobby frente ao trabalho de árbitro.

As obrigações dentro da jaula são tão grandes para ele, principalmente no que compete à segurança dos lutadores, que Robertão não tem problema em se deitar na lona, caso seja necessário, tomar algumas pancadas para interromper um combate ou até se arriscar a dar um mata-leão em um lutador.

Este caso em específico aconteceu em um duelo realizado no começo de 2013, no Circuito Talent de MMA. O evento foi realizado em Valinhos (SP) e contou com muitos lutadores ainda pouco experientes.

Em um dos confrontos, um dos competidores não respondeu ao comando de interromper o combate dado pelo árbitro fortão. Sem pestanejar, Robertão se atracou com ele. O tal lutador só acordou segundos depois de tirar um cochilo forçado.

“Nas lutas eu faço tudo o que precisa. Se precisar, deito no chão... Uma vez tive mesmo que apagar um lutador. Encaixei o mata-leão porque ele não queria parar de bater. Era um atleta muito forte. Mas um cara disciplinado e que aquele dia saiu da linha e me obrigou a apagá-lo”, contou o paulista, sobre seu caso mais incomum.

Robertão, como é conhecido, é policial por herança de família e virou lutador, a princípio, para resolver seus problemas com o que conhecemos hoje como bullying. Seu avô era delegado, seu pai, general de cavalaria. O jovem cresceu dentro de viaturas e próximo deste mundo. Quando mudou de São Paulo para Campinas (SP), aos quatro anos, acabou sofrendo na escola.

De origem portuguesa, Robertão diz que a família tradicionalmente é pobre de talento com a bola nos pés. Ele era sempre o último a ser escolhido nas peladas de seu colégio de padres e não raras vezes terminava como gandula. Zoado pelos colegas, resolveu que a solução era fazer algum esporte de luta para poder competir com quem tripudiava dele.

Robertão começou no caratê, mas também passou pelo boxe, capoeira e, depois de conhecer Marco Ruas, interessou-se pelo jiu-jítsu - em que é faixa preta - e passou a acompanhar o vale-tudo.

Paralelamente, ele sempre teve o interesse em se formar em psicologia, para seguir a carreira na polícia como negociador de reféns. Após a faculdade, ele fez um curso para isso na SWAT, nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que apostava na profissão, aproveitava para se tornar um instrutor de artes marciais, dando aula de jiu-jítsu e coordenando a preparação de equipes diversas, incluindo a que faz a segurança do Papa.

“Como sou policial do Grupo Especial de Resgate, as artes marciais me ajudaram muito. Nunca trabalhei em distrito, sempre em grupos de operações especiais, porque meu negócio é adrenalina, ação”, afirmou ele, em um papo por telefone 15 minutos antes de sair para a rua e ir a uma comunidade carente cumprir um arriscado mandado de prisão.

Um caso de amor com a Macaca

  • Além de fanático por lutas, Robertão também é apaixonado por futebol. Morando em Campinas desde pequeno, ele adotou a Ponte Preta. Mais que isso, faz questão de morar a 200 m do estádio do time e "poder escrever que moro no bairro Ponte Preta". Mais que isso, o policial resolveu fazer por si próprio um cantinho mais atraente para as famílias no Moisés Lucarelli, longe dos torcedores mais radicais das organizadas. Ele conseguiu separar uma "curva" do estádio e, nela, tenta dar mais segurança aos torcedores, permitindo uma maior presença de mulheres, crianças e idosos e até fazendo um tipo de escolta para entrada e saída do estádio.

    "Ô time que só perde!", brinca ele. "Mas a graça é torcer. Nunca ganhei nada, mas não deixo de torcer pela Macaquinha. Nos eventos de MMA, eu sempre vou com a camiseta da nossa torcida, para fazer meu merchan para a Macaca", explica o torcedor.

Robertão seguiu competindo no jiu-jítsu até 2004, no profissional, e até 2008 em campeonatos policiais. Campeã mundial nestes últimos, em eventos da SWAT, ele nunca se afastou. A arbitragem surgiu por influência de outro policial/lutador, Paulo Borracha. E ele gostou da ideia de entrar nas jaulas de MMA e curtir um novo tipo de ação. Hoje ele diz já ter participado de mais de 1500 combates, entre amadores e profissionais.

“Com o tempo, percebi que o defeito dos árbitros é a insegurança, o medo; muitas vezes porque são caras que só tem o teórico. Eu fui lutador, ainda treino, e vi que é preciso saber se posicionar no octógono. Até no UFC, tem muitas vezes que se demora para parar a luta, ou se para antes do necessário. Como lutei, sei as possibilidades e o que pode acontecer”, defendeu Robertão, que só elogia um nome entre os árbitros do Ultimate, o veterano Big John McCarthy - também policial.

“Dentro das operações especiais temos frações de segundo para decidir se atira ou não atira. Então, estamos acostumados a apresentar respostas especiais em situações especiais. Não me sinto constrangido em tomar condutas e assumir o comando no ringue”, adicionou.

Roberto Thomaz diz que o que o move é o senso de justiça que norteou sua vida e suas carreiras. Tanto no esporte quanto na polícia.

“Quando você devolve um refém à sua família, a sensação é impagável. É gratificante cumprir a justiça e essa satisfação é o que me move até hoje. E o mais legal é que pude casar o MMA com as operações especiais. Minha vida é melhor que a do Eike Batista, que ganha e perde dinheiro sem ter tantas recompensas quanto eu tenho”, conclui ele.