Topo

Hoje campeã da Davis, Argentina sofreu na tarde das cadeiradas

Torcedores argentinos - AP Photo - AP Photo
Torcedores argentinos usaram as cadeiras para se proteger das que eram jogadas pelos chilenos
Imagem: AP Photo

Fábio Aleixo e Tales Torraga

Do UOL, em São Paulo

28/11/2016 18h00

Hoje campeã da Davis após quatro tentativas frustradas em finais e aplaudida até pelos croatas, a Argentina já viveu uma jornada de terror no torneio, naquela que ficou conhecida como a "Tarde das Cadeiradas" e é tida como um dos capítulos mais vergonhosos da história da competição.

O episódio aconteceu no ano de 2000, quando os argentinos ainda estavam no Zonal Americano, o equivalente à segunda divisão. O adversário era o Chile e o confronto ocorria na cidade de Santiago, no Estádio Parque O'Higgins.

O duelo tenístico era visto pelos chilenos como uma revanche pelos 4 a 1 impostos pela Argentina nas Eliminatórias para a Copa do Mundo do Japão e da Coreia. A rivalidade entre ambos os países também é antiga e remete à Guerra das Malvinas, quando os chilenos foram aliados dos ingleses.

Na segunda partida do confronto, entre o local Nicolás Massú e Mariano Zabaleta, a torcida local resolveu transformar o ambiente que era até certo ponto tranquilo em um de guerra. A cada saque do argentino, insultos vinham das arquibancadas e alguns objetos eram atirados. Era a maneira encontrada para pressionar e tentar ajudar o Chile a abrir 2 a 0 - após Marcelo Ríos ter superado Hernán Gumy.

No quarto set, quando Zabaleta tinha 2 sets a 1, vencia por 3 a 1 e se encaminhava para o triunfo, uma pedra foi atirada e o tenista quis levá-la para o árbitro Tony Hernández. Mas um boleiro recolheu a pedra para escondê-la. Zabaleta lhe deu um leve empurrão. Foi o suficiente para o público chileno explodir de vez e jogar para a quadra todos os tipos de objetos possíveis. Até laranjas e latas de refrigerante voaram.

“Lembro que o Marcelo Ríos, que era o tenista top da América do Sul naquele tempo, poderia acalmar a torcida, mas o público ficou ainda mais irritado. Foi tenso demais, principalmente para um tenista em começo de carreira, como era meu caso”, disse Zabaleta ao UOL Esporte. Ele comentou a final de domingo para a TV Pública argentina e hoje vive da comunicação em tempo quase integral: trabalha também para a ESPN no programa Pura Química, um dos principais do esporte na TV argentina.

Nas tribunas, cadeiras começaram a voar para cima dos torcedores argentinos e depois várias foram arremessadas em direção aos tenistas e policiais que tentavam protegê-los. O pai de Zabaleta, Carlos, que estava na torcida foi vítima de uma destas cadeiradas e precisou receber 18 pontos na cabeça.

Policias protegem argentinos - AP Photo - AP Photo
Policiais tiveram que usar escudos para proteger os argentinos
Imagem: AP Photo

“Eu não tinha condição de seguir jogando, foi algo muito inesperado", segue Mariano. "Agrediram meu pai, ele sofreu um corte grande, os tenistas chilenos entenderam minha situação e os companheiros de Argentina também”.

"Eu me lembro que não conseguimos parafusar as cadeiras, mas nunca pensei que realmente poderia ocorrer uma hecatombe como a que vivemos", afirmou recentemente ao jornal La Tercera José Ramón de Camino, então presidente da Federação Chilena de Tênis.

Os argentinos foram escoltados para os vestiários e mais confusão correu lá, até com troca de socos e diversos palavrões. Sentindo que as condições de segurança eram precárias e não havia garantias de que algo do gênero não voltaria a ocorrer, os dirigentes, os jogadores argentinos e o capitão Alejandro Gattiker decidiram que não jogariam os dois dias seguintes do duelo.

A Federação Internacional de Tênis (ITF) resolveu decretar a vitória chilena por 5 a 0, mas posteriormente puniu o Chile com dois anos atuando a portas fechadas. A Argentina então ficou na segunda divisão até o ano seguinte, quando obteve o acesso para o Grupo Mundial e desde então não saiu mais até chegar ao título de domingo.

"O lamentável episódio das “cadeiradas”, -apesar da reconciliação posterior, no “jogo da amizade”-, foi o ápice de exacerbação absurda da rivalidade entre chilenos e argentinos no esporte. Coincidiram uma série de fatores negativos: um ginásio sem condições; distribuição bebidas alcoólicas; presença de torcidas de futebol (Garra Blanca do Colo-Colo) e falta de experiência do árbitro geral. Nunca antes tínhamos observado um comportamento similar num confronto de tênis. O Chile tinha três jogadores que treinavam na Argentina: Marcelo Rios, Nicolas Massú e Fernando González. Um dos argentinos, Hernán Gumy, frequentava uma academia no Chile. Eles não só se conheciam bem como eram amigos fora da quadra. Infelizmente, ambas nações acabaram aprendendo uma lição da pior maneira possível", disse ao UOL Esporte o jornalista chileno Patricio de la Barra.

A opinião é a mesma de Zabaleta: “Foi algo bem particular daquele evento, tanto que jogamos depois no Chile muitos outros anos e não aconteceu nada. Foi um evento grande demais, e com um público que não era do tênis, porque o tênis historicamente não tem casos violentos assim. Não houve nada parecido antes e nem depois. O Chile não pôde jogar em casa nos anos seguintes e perdeu muito dinheiro com isso. Por sorte eles conseguiram se recuperar, pois o tênis da América do Sul precisa de adversários sempre fortes entre si”, disse.