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Livros, faxina e filosofia: os ensinamentos do "mestre das maratonas"

Kipchoge estabeleceu o recorde de 2h01min39 sorrindo e distribuindo energia na chegada - Markus Schreibe/AP
Kipchoge estabeleceu o recorde de 2h01min39 sorrindo e distribuindo energia na chegada Imagem: Markus Schreibe/AP

Do UOL, em São Paulo

18/09/2018 04h00

O sorriso a cerca de cem metros do fim e a corrida em direção a seu técnico após a linha de chegada da maratona de Berlim mostraram um pouco da força física e mental de Eliud Kipchoge, o novo recordista mundial da distância. O queniano de 33 anos sobrou na prova, superou em mais de um minuto o antigo recorde e chegou à condição de maratonista mais rápido da história com um de seus lemas: "Maratona é vida. Não é sobre pernas, mas sobre coração e mente".

Não é de hoje que Kipchoge treina sua cabeça tanto quanto suas pernas. É louco por livros, anota em cadernos as ideias que mexem com ele e procura ensinamentos das mais diversas origens. A corrida é sua principal atividade e fez dele um milionário corredor queniano, mas no dia a dia Kipchoge leva uma vida simples. Nas semanas em que sai de casa para ficar no alojamento, faz faxina e tarefas básicas como os demais atletas. E se apoia na leitura para não se perder entre os dólares que a maratona lhe dá.

“Leio pelo menos dois ou três livros por mês. Sempre compro livros quando estou fora do país. A única forma de expandir seu conhecimento é lendo”, disse ao “The Standard”, um dos principais jornais do Quênia.

Eliud Kipchoge exibe seu recorde mundial na maratona de Berlim - Fabrizio Bensch/Reuters - Fabrizio Bensch/Reuters
Kipchoge diz ler no mínimo dois livros por mês, de filósofos a autoconhecimento
Imagem: Fabrizio Bensch/Reuters

Kipchoge gosta de citar autores em conversas e eventos. Diz que sempre lê com um caderno ao lado para anotar o que mais o atrai. “Quando você escreve, você lembra”, justificou ao “The New York Times”. Ele também faz isso com seus treinos. Atualmente, tem 15 cadernos com anotações, um para cada ano desde que passou a se dedicar seriamente à corrida.

Na leitura, o queniano diz que vai de Aristóteles a livros de autoconhecimento. "Uma vez ele começou a dizer uma frase que não lembro exatamente, mas era algo filosófico que ele tinha lido de Confúcio", contou Andrew Jones, um consultor que trabalhou com o queniano no projeto da Nike para tentar fazer um maratonista quebrar a barreira das 2h em 2017.

Bernard Lagat, experiente corredor que passou duas semanas com Kipchoge num tour global, também se surpreendeu. “Ele poderia ser um palestrante motivacional. Participamos de eventos durante duas semanas e ele nunca repetiu um conteúdo”.

Frases distintas fazem parte de seu repertório, como: “O melhor momento para plantar uma árvore foi 25 anos atrás. O segundo melhor momento para plantar uma árvore é hoje”. Ou então: “Só as pessoas disciplinadas na vida são livres. Se você é indisciplinado, você é um escravo do seu humor e das suas paixões”.

Disciplina é uma das chaves do treinamento de Kipchoge. Desde 2013 dedicado a disputar maratonas, ele nunca fez mais de duas provas por ano. Nos meses que antecedem a corrida, ele deixa sua casa, fica longe de mulher e filhos e vai para um alojamento onde vivem dezenas de corredores. Lá, divide as tarefas da casa igualmente com os demais.

Limpar os banheiros, preparar as refeições e trabalhar no jardim são algumas das atribuições de Kipchoge quando ele não está correndo. E não importa que ele seja a maior estrela do local. A ideia de desfilar em carro aberto após uma vitória histórica, por exemplo, o desagrada.

É essa mesma linha de pensamento que Kipchoge tenta manter com seus filhos. Ele vive com a família em um bairro nobre de Eldoret, no Quênia, mas recusa o luxo e impõe uma vida simples aos filhos. O maratonista diz que o dinheiro não pode mudar o caráter de uma pessoa. Colocou isso na cabeça em 2015, quando viu sua conta receber meio milhão de dólares ao ganhar o prêmio de melhor maratonista da temporada envolvendo as grandes provas do calendário.

Desde então, ele também levou tal prêmio em 2016 e em 2017, fruto de seu desempenho invejável: venceu dez das 11 provas de 42km disputadas. Para Kipchoge, faltava só o recorde mundial que agora ele traz de Berlim, provavelmente junto com mais alguns livros na bagagem.