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Copa 2018

Morador de hospital há 49 anos assiste a mais uma Copa em seu quarto na UTI

Paulo Henrique Machado assiste a Brasil X Bélgica em seu quarto no Hospital das Clínicas, em São Paulo - Daniel Lisboa/UOL
Paulo Henrique Machado assiste a Brasil X Bélgica em seu quarto no Hospital das Clínicas, em São Paulo Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

07/07/2018 04h00

“Hummm, sei não, até agora Brasil só jogou com time de pouco ataque”. O comentário, com um quê de profético, é de Paulo Henrique Machado, que mora em uma UTI desde 1969.

O paciente-morador do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas, em São Paulo, não é exatamente um neófito no futebol. Do leito hospitalar, acompanhou derrotas, vexames e glórias da seleção brasileira. Ele assiste, e lembra com detalhes, de todas as Copas pelo menos desde 1982.

Foi nesta Copa, inclusive, que ele ficou tão nervoso com a eliminação da seleção que parou de comer e precisou tomar soro. Ontem (6), Paulo colocou mais um mundial em seu currículo.

Desta vez não teve greve de fome, afinal hoje ele é um homem de 50 anos. Mas a maturidade não significa ficar alheio a um jogo como Brasil x Bélgica. Deitado de lado na cama, virado para o computador e a TV, e ligado no pequeno pulmão artificial que o mantém vivo, ele torce as mãos, tenso, com os rumos da partida. Reclama quando Neymar não passa a bola, lamenta os gols perdidos por Renato Augusto e Philippe Coutinho, acredita que ainda dá para empatar.

“Esse ano não tem o mesmo clima”, diz Paulo sobre a ausência de qualquer tipo de decoração no quarto. Em edições anteriores, sempre havia uma coisinha com alusão à Copa. E um clima mais festivo, por mais estranho que isso possa parecer ao nos referirmos a uma UTI.

Como Paulo contou em reportagem anterior ao UOL Esporte, era comum que até os médicos se juntassem aos pacientes na hora dos jogos. Um deles até bateu a cabeça ao dar um pulo quando o Brasil quase conseguiu o empate com a Itália em 1982. Mas naquela época Paulo dividia uma sala com outros seis pacientes. Hoje, está em um quarto bem menor ao lado de Eliana Zagui, única remanescente dos colegas daqueles tempos.

O movimento nos corredores do Instituto de Ortopedia era pequeno ontem. Nada do caos habitual que normalmente associamos a uma UTI. Em uma sala para aplicação de soro pouco antes da entrada, uma mulher assiste sozinha ao início da partida em uma pequena TV. Poucos enfermeiros e médicos circulam. Um grito empolgado vindo de um lugar não identificado é a única coisa a sugerir que uma partida decisiva do Brasil está prestes a começar.

“O Tite é bom, mas já querer compará-lo com o Telê é um exagero”, diz Paulo assim que a bola rola. É lógico que ele está torcendo para o Brasil, mas confessa não se sentir tão à vontade assim em torcer contra a Bélgica. “Tenho um amigo padre de quem gosto muito. Ele é belga, vem conversar com a gente quando estamos meio deprimidos”, explica.

O respirador artificial usado por Paulo, vítima da poliomielite, hoje é bem mais leve e sofisticado que os do passado. Filtra o ar do próprio ambiente, não tem nada daqueles cilindros de oxigênio enormes de antigamente. Um tubo conecta o aparelho à traqueia de Paulo.

Para quem não está habituado, dá um certo temor acompanhá-lo enquanto ele se exalta com gols perdidos e passes errados. Será que não é demais para a saúde dele? Mas aí você lembra que Paulo é “velho de guerra” em matéria de Copas do Mundo, e relaxa.

Um enfermeiro está no quarto também. Ele prepara pipoca para Eliana enquanto ela assiste à partida. Sua TV é um pouco mais humilde que a do colega de quarto, de 40 polegadas e alta definição. “Eu deveria ter comprado uma melhor ainda para esta Copa”, diz Paulo, também um cinéfilo inveterado.

O enfermeiro é de longe o que mais corneta a seleção. Eliana é mais comedida, ri dos comentários alheios. Uma colega dela entra no quarto bem quando o Brasil marca seu gol, e todos pedem para que ela fique. Deve ser pé-quente. Mas ela se vai, é uma visita curta. E o Brasil não empata.

“Claro que vou continuar assistindo a Copa”, diz Paulo com a eliminação já consumada. “Vou torcer para a França, que tem uns moleques bons.”

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Corredor de acesso à UTI da ortopedia do Hospital das Clínicas após a partida
Imagem: Daniel Lisboa/UOL

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