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Facebook ou TV? CBF testa venda de direitos da seleção no mundo moderno

Tite em ação; seleção vai servir de teste para um novo modelo de venda de direitos - Pedro Martins/Mowa Press
Tite em ação; seleção vai servir de teste para um novo modelo de venda de direitos Imagem: Pedro Martins/Mowa Press

Guilherme Costa, Pedro Ivo Almeida e Rodrigo Mattos

Do UOL, em São Paulo e no Rio de Janeiro

08/06/2017 14h00

Os amistosos que a seleção brasileira vai disputar contra Argentina e Austrália servirão como um teste. Não apenas para o time comandado por Tite, que preservou uma série de titulares e abriu o leque na convocação, mas para a relação da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) com a mídia. A entidade que comanda o futebol nacional não chegou a um acordo com a Globo, parceira longeva da modalidade, e decidiu assumir o protagonismo na distribuição de seu conteúdo. Com isso, além de aspectos financeiros e políticos, apostou em uma tendência: no mundo moderno, com novas formas de consumir conteúdo, direitos de transmissão para eventos esportivos não são mais uma exclusividade das TVs.

Sem acordo com a Globo, a confederação colocou em prática um plano que já esboçava desde o início do ano: romper o monopólio da emissora e abrir os jogos da seleção para outras plataformas e canais. Nos próximos dois jogos, as transmissões serão realizadas no Facebook, no UOL, em aplicativo da operadora de telefonia Vivo, na TV Brasil e TV Cultura.

E a ideia da CBF não é exatamente “brigar” com a Globo, mas sim aumentar o próprio faturamento. Com projeções ainda cautelosas, a entidade não vislumbra abertamente um grande faturamento já nesse teste inicial, mas acredita que o caminho renderá cifras gordas no futuro.

Arrecadação incerta na CBF, porém “positiva”

No contato com a Globo, a CBF pediu aproximadamente R$ 14 milhões pelos dois jogos – valor que não agradou a emissora. No novo modelo de negociação, dificilmente a entidade conseguirá alcançar tais valores. Ainda assim, os responsáveis pela confederação consideram que a experiência será positiva, pois abrirá portas para valores maiores no futuro.

No modelo com o Facebook, principal parceiro, a CBF libera o sinal e fica com R$ 500 mil de cada cota de R$ 2,3 milhões que a rede social apresentou ao mercado. A expectativa é de que a rede social venda cinco pacotes desse tipo – totalizando R$ 2,5 milhões para a entidade e R$ 9 milhões para a empresa.

Com as outras TV's, o modelo da CBF é o de compra do espaço – cerca de R$ 15 mil por jogo nas emissoras Brasil e Cultura – e negociação direta com anunciantes. As vendas de espaços, no entanto, ainda não foram fechadas.

Especialista e Globo não veem concorrência

Especialista de mercado em direitos de transmissão, Pedro Daniel, da BDO Brazil, diz que a situação ainda será um laboratório e não vê as plataformas digitais, neste momento, concorrendo com as tradicionais emissoras de TV.

"Temos poucos exemplos no mercado brasileiro ainda de transmissão de internet para saber. Essas plataformas Facebook, Google, não competem com as TVs porque não compram e não tem intenção dos direitos. A precificação é diferente. Esse jogo da seleção será um laboratório interessante porque é um produto internacional, e não nacional como o jogo ‘Atletiba’ [final do Campeonato Paranaense]. O horário de manhã facilita para a Europa, que é à tarde. No Brasil, facilita porque poucas pessoas estão na TV e muitas na internet nesta hora. Não acho justa a comparação de audiência entre TV e internet. Na internet, as pessoas entram um pouco e saem. A audiência da TV é medida por período, mas a tendência de mudar o canal é menor", avaliou o especialista.

Para a Globo, o mercado para arrecadar dinheiro na internet com transmissão de jogos ainda não está maduro no Brasil. É possível transmitir o jogo, ter boa audiência, mas ainda não há um modelo consolidado para arrecadar. A empresa também acredita que as parcerias entre plataformas de internet e TVs ainda não ocorreram no país.

Outra questão levantada pela emissora é dificuldade de banda larga no país. Em redes sociais e aplicativos, acredita-se que o jogo “comeria” todo o pacote de dados. A solução seria assistir através de redes Wi-Fi, mas não são todas as capitais com essa infraestrutura, o que, na opinião da Globo, diminui o alcance da estratégia da CBF.

A TV ainda entende que a negociação pontual para amistosos isolados é sempre mais difícil, minimizando o potencial de retorno de investimento em jogos como os amistosos do Brasil na Austrália. Entre os executivos da Globo, a certeza é que a aposta em um pacote é a melhor opção. E ainda que não veja o Facebook como concorrente, eles pretendem entrar forte na briga pelos jogos a partir de 2018 – priorizando a seleção, que gera boa parte da receita de seu bilionário plano de transmissão esportiva.

Não é só dinheiro: o que está por trás da ruptura CBF x Globo

Ainda que não seja definitiva, a cisão entre Globo e CBF sobre os próximos amistosos da seleção brasileira é extremamente significativa. Existe um contexto financeiro, é claro – a emissora não aceitou pagar o montante pedido pela entidade esportiva –, mas essa é apenas parte da história.

Também pesou contra a relação CBF-Globo um aspecto político. Como mostrou o jornalista Juca Kfouri em blog no UOL Esporte, a articulação que desencadeou o novo modelo de presença da seleção brasileira na mídia foi conduzida por Marcelo Campos Pinto, outrora homem forte do esporte na emissora carioca, que havia deixado o cargo em meio a um escândalo causado por investigação do FBI na Fifa.

Campos Pinto tem sido representado no exterior por João Pedro Paes Leme, outro executivo saído da Globo, e ambos têm respaldo do empresário indiano Lalit Modi, que foi recebido recentemente pela cúpula da CBF. Através da empresa "Take 4 Content", a dupla tenta entrar forte no mercado dos direitos de transmissões esportivas em novas plataformas.

A criação de um grupo para estruturar o novo modelo de negócios para a seleção na mídia, contudo, não tem relação apenas com as pessoas que participam da articulação. Mais do que o passado na Globo ou a boa relação com a CBF, Campos Pinto enxergou nesse cenário uma oportunidade de incluir o futebol brasileiro em uma discussão que tem sido cada vez mais frequente em âmbito mundial.

Segundo dados do “Sport Business Journal”, a média etária de quem vê esporte pela TV nos Estados Unidos subiu de forma contundente nos últimos anos. Levantamento feito pela publicação mostra, por exemplo, que as pessoas que acompanham a liga profissional de basquete do país (NBA) na televisão têm média de 42 anos, alta de dois anos desde 2006. Na NFL, principal competição de futebol americano, o número é ainda mais alto (média de 50 anos e incremento de quatro anos na década em questão). É apenas um recorte, mas existe uma tendência incutida nos dados: gradativamente, a TV tem deixado de ser o único canal para consumo de informação também no esporte.

É por isso que a concorrência sobre direitos de transmissão da NFL em 2017 teve propostas de empresas como Amazon, Facebook, Twitter e YouTube. Um ano antes, o Twitter havia desembolsado US$ 10 milhões (R$ 32,7 milhões) para mostrar dez partidas da liga de futebol americano.

Por que o advento de outras mídias é relevante para o esporte

Há duas diferenças basilares entre os modelos de mídia propostos por TV e serviços de streaming: a possibilidade de customização comercial e a relação com o tempo. Ao contrário do que acontecia com a televisão, veículos de conteúdo on demand oferecem ao público a possibilidade de decidir quando consumir a informação.

O Facebook ainda não divulgou como vai fazer inserções comerciais no jogo da seleção brasileira, mas a rede social tem um cabedal de oportunidades que a televisão não acessa. É possível que os anúncios sejam individualizados e direcionados para cada perfil de público, enquanto a TV separa as inserções apenas de acordo com a região em que o sinal é veiculado.

Também há uma questão relacionada à atenção dispensada. Navegadores de internet e sistemas operacionais de dispositivos móveis têm incorporado novas formas de bloquear publicidade, e o conteúdo em streaming faz com que o usuário seja submetido por mais tempo ao conteúdo. Em 2016, de acordo com dados da analista norte-americana Mary Meeker, plataformas móveis nos Estados Unidos geraram US$ 37 bilhões (R$ 121 bilhões) em receita de publicidade, superando pela primeira vez os desktops (US$ 36 bilhões ou R$ 117 bilhões).

“O modelo tradicional de publicidade digital está mudando, e a criação de produtos é uma forma de trabalhar isso”, disse Edney Souza, professor da pós-graduação de marketing digital da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). "A CBF começa a se transformar num produto de mídia. Hoje ela depende de terceiros para ter receita. Ela pode começar a vender um produto digital de assinatura e criar uma espécie de Netflix em que você pague pelo conteúdo e gere receita recorrente. Isso que a gente está vendo é o começo de uma série de experimentações. Pode ser o início de uma tendência do ponto de vista de consumo, como já acontece com séries de TV”, completou.

Esse é outro ponto relevante: existe uma tendência de que ligas, times e entidades assumam o controle do conteúdo e aproveitem esse domínio para criar mais produtos. É o que a CBF faz, em caráter preliminar, ao tirar os amistosos das mãos da Globo e pensar em como revender isso.

“O usuário comum não para para fazer uma reflexão sobre o conteúdo, se é premium ou sofisticado. Ele vai procurar consumir no lugar em que estiver. O que acontece é que temos uma evolução muito grande dos dispositivos móveis. Você está hoje no ônibus, no metrô ou numa fila, sempre com o celular na mão. Aí você começa a consumir o que tem ali nos aplicativos instalados e depois, quando volta para casa, vê o fim do episódio”, ponderou Souza.

“A TV só vai comprar o jogo. Na internet, a CBF consegue vender o papo de vestiário, o bastidor, a conversa com o técnico, o treinamento, o preparo. Você consegue fazer 24 horas de conteúdo de esporte, com pré-jogo, pós-jogo e outros campeonatos. A CBF pode criar produtos e não precisa ter um canal só. Pode ter várias páginas, perfis e contas, com um volume muito maior de conteúdo vendável. Obviamente que o valor maior ela vai receber nos jogos, mas ela consegue ter uma renda extra de todo um outro conteúdo que hoje a TV não compra. Esse movimento de descolar pode fazer a CBF perder num primeiro momento, mas num segundo momento o cara que acompanha pode ver que existe conteúdo de esporte ali. Ela começa a assumir a narrativa e a rentabilidade disso. Criar produtos é uma tendência: é como o esporte vai se vender melhor no futuro”, encerrou o professor.

Em maio deste ano, por exemplo, o Manchester United apresentou a investidores um plano de negócios para as próximas temporadas e estabeleceu como um de seus pilares a transformação do canal próprio do clube (MUTV) em um distribuidor de conteúdo. Em pouco tempo, a ideia da diretoria é criar um braço de mídia e assumir o controle de suas narrativas, de aspectos menos relevantes (posicionamento de câmera ou perfil da narração, por exemplo) a relação com patrocinadores e produções próprias. Em vez de apenas esperar que a mídia fale da equipe, estabelecer outros caminhos para que as informações cheguem aos torcedores.

A crise na relação entre CBF e Globo pode ter um fundo financeiro, mas está longe de ser por "apenas" R$ 14 milhões.

UOL transmite os amistosos

O UOL transmitirá ao vivo, em vídeo, os amistosos da seleção brasileira contra Argentina e Austrália, respectivamente nos dias 9 e 13 de junho, em Melbourne (Austrália), com oferecimento de Jeep. As duas partidas poderão ser acompanhadas na web e na versão mobile do portal a partir das 7h (de Brasília).