Topo

Caso Daniel: Juninho já tentou evitar prisão por amizade com deputado e PMs

Reprodução
Imagem: Reprodução

Adriano Wilkson, Bruno Abdala, Karla Torralba e Napoleão de Almeida

Do UOL, em São Paulo e São José dos Pinhais (PR)

22/11/2018 04h00

Edison Brittes Júnior, o Juninho Riqueza, que assumiu ter matado o jogador Daniel Corrêa, já havia sido preso em junho de 2018 por porte ilegal de arma. Na ocasião, ele telefonou a amigos policiais e a um deputado estadual, o delegado Rubens Recalcatti, com quem mantém relação próxima, para tentar evitar sua prisão. 

O relato da ação da polícia e do suspeito consta em um boletim de ocorrência de 6 de junho de 2018, divulgado primeiramente pelo "Fantástico", da TV Globo, no último domingo. O documento, ao qual o UOL Esporte teve acesso, relata uma abordagem policial no bairro Cascatinha, em Curitiba. Juninho e a mulher Cristiana Brittes receberam ordem para parar o Veloster preto, o mesmo que seria usado para transportar o jogador Daniel cinco meses depois.

Leia mais:

Defesa usa voto de Gilmar Mendes para tentar libertar suspeita
Caso Daniel: Justiça nega pedido de soltura de Cristiana Brittes
Áudios mostram relatos de ameaça de morte a testemunha-chave 

Os policiais da ocorrência revistaram o veículo, que "possuía pendências administrativas" e encontraram "uma pistola Glock G25 calibre 380 municiada e carregada com 15 munições além de outro carregador municiado com 12 munições". Juninho não tinha o documento de porte de arma, apenas seu registro.

Após mostrar o documento de registro da pistola, Juninho começou a dizer que "era amigo de policiais civis e militares e realizou contato com alguns", relata o BO. "Sendo que o 2º Tenente Rocha compareceu ao local à paisana, porém não interferiu no andamento da ocorrência."

Recalcatti - Reprodução - Reprodução
O deputado Rubens Recalcatti com a família Brittes
Imagem: Reprodução

Juninho recebeu voz de prisão por porte ilegal de arma e seguiu para a delegacia, onde fez mais ligações. Lá o comerciante se referiu ao deputado estadual Rubens Recalcatti, do PSD. "Já na central, Edison continuou realizando contatos através do celular, relatando que iria fazer contato com o deputado Recalcatti", diz o relatório policial.

Em fotos postadas em redes sociais antes da morte de Daniel, o deputado aparece em festas ao lado da família Brittes e em clima de confraternização. Em um vídeo gravado com celular, Recalcatti manda uma mensagem para sua "amiga" Cristiana Brittes.

Na última segunda-feira (19), o deputado concedeu entrevista coletiva e disse que Edison Brittes não ligou para ele em junho. "Quero esclarecer que neste boletim de ocorrência, onde ele foi preso em junho por uma questão que eu nem sei qual é, no final do BO o polícia coloca que o detido iria ligar para o deputado Recalcatti. Jamais ele me ligou e eu jamais fui em delegacia de polícia para pedir por ele ou por quem quer que seja”, afirmou.

Sobre a presença do 2º Tenente Rocha na ocorrência, a Corregedoria da Polícia Militar apurou o caso e informou não ter constatado irregularidades na conduta do oficial.

Recalcatti responde por homicídio

Rubens Recalcatti, conhecido na política como Delegado Recalcatti, era suplente e assumiu o posto de deputado estadual pelo PSD, em 2017. O político responde processo pelo homicídio de Ricardo Geffer.

Geffer foi morto em 28 de abril de 2015 após uma abordagem policial, da qual o delegado Recalcatti fazia parte. A vítima era suspeita de ter assassinado João Dirceu Nazzari, ex-prefeito do Rio Branco do Sul (PR), em 12 de abril de 2015. Para os promotores, o homicídio de Ricardo Geffer foi uma execução.

Além de Recalcatti, outros sete policiais são acusados do assassinato de Geffer. Entre eles está Edenir Canton, antigo dono do Veloster preto usado por Edison Brittes.

Hoje o caso do homicídio de Ricardo Geffer está com recurso sendo analisado no Tribunal de Justiça do Paraná que avalia se o processo subirá para o STJ, já que um dos acusados é deputado. Inicialmente o processo voltaria à primeira instância. Por ser deputado, Recalcatti teria foro privilegiado. Mas no entendimento do Ministério Público a prerrogativa não se aplica por se tratar de crime cometido sem relação com a função de deputado estadual.

Recalcatti e Juninho Brittes são defendidos pelo mesmo advogado, o criminalista Claudio Dalledone Júnior, que também já defendeu o goleiro Bruno Fernandes, entre outros clientes famosos.

Procurada pela reportagem, Dalledone afirmou que Recalcatti agiu em legítima defesa durante a ação que resultou na morte de um suspeito: "O caso aguarda uma definição judicial para sua tramitação regular na Justiça comum ou no Tribunal. Contudo saliento que detratou de uma ação legítima de revide ao ataque criminoso a uma equipe policial", disse. 

Corregedoria da PM apurou relação de Brittes com policial

Em contato com a reportagem, o tenente-coronel Luiz Marcelo Mazieiro, da Corregedoria da Polícia Militar do Paraná, informou que após a morte do jogador, foi feito um levantamento para apurar o vínculo de Edison Brittes com policiais militares. Sobre o "2º Tenente Rocha" citado no Boletim de Ocorrência, a PM disse que a relação com Juninho era de amizade apenas.

“O que pudemos apurar é que existia um vínculo de amizade porque o oficial trabalhava na região e teria o contato com o Edison Brittes. O Edison Brittes possuía estabelecimentos comerciais e o oficial trabalha na área e houve contato, amizade de antigamente, mas nada além disso. Não teve outro envolvimento”, explicou.

Casal Brittes na moto - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Casal Brittes pilotava moto que estava em nome de traficante
Imagem: Reprodução/Instagram

“No primeiro momento, fizemos verificação através da corregedoria e a própria unidade de área não verificamos nada de errado com relação à conduta do PM. Existe um controle interno e estamos no aguardo de fatos novos”, disse Mazieiro.

De acordo com o Mazieiro, não é rotineiro que um policial vá até o local de uma ocorrência ao receber a ligação de alguém que está sendo abordado pela própria polícia. Segundo a apuração da corregedoria, o "2º Tenente Rocha" estava fora de sua residência e próximo ao local dos fatos naquela noite e por isso passou no lugar em que Juninho estava para acompanhar os fatos. “Ele resolveu passar lá apenas para acompanhar. Não houve ingerência ou interferência com relação à ocorrência em si”, comentou o tenente-coronel. 

Deputado: Relação com Brittes é política

Também advogado de defesa de Juninho, Cláudio Dalledone afirmou à reportagem que ele “teve e continua tendo uma proximidade de cunho eleitoral, pois é eleitor do deputado estadual Rubens Recalcatti. Não se pode sob qualquer ângulo estabelecer ligações que não sejam estas”. 

O deputado afirmou em coletiva que conheceu Brittes durante período eleitoral em 2014 porque o comerciante seria uma figura conhecida no bairro onde mora. “Conheci ele acho que em 2014, durante a campanha. Desconhecia [qualquer relação de Brittes com o mundo do crime] e se soubesse teria tomado alguma providência”, ressaltou.

Veloster foi vendido para Brittes, diz policial

Em nota, os advogados de Edenir Canton afirmaram que o Veloster preto, usado para transportar Daniel depois de uma sessão de espancamento, havia sido vendido a Juninho pelo seu cliente. A defesa disse que o policial está à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos necessários. “Em 13 de junho de 2018, [Edenir] vendeu o veículo modelo Veloster, placa BEB-3014, a pessoa de Edison Brittes, conforme instrumento público de procuração [...] devidamente registrado em cartório da Comarca de Pinhais, não tendo desde aquela data qualquer vínculo com o referido bem".

“Quanto ao processo a que responde pela suposta prática de homicídio, este encontra-se em trâmite, cujos fatos apurados se deram tão somente em função do exercício profissional deste, então, policial, assim como os demais processos citados nas reportagens estão em trâmite”.