! 'Diplomacia da bola' cria aparição na miséria haitiana - 18/08/2004 - UOL Esporte - Futebol

UOL EsporteUOL Esporte
UOL BUSCA


  18/08/2004 - 22h59
'Diplomacia da bola' cria aparição na miséria haitiana

Rodrigo Bertolotto
Enviado especial
Porto Príncipe (Haiti)

A seleção deve ter pensado que os haitianos dão em árvores, como frutos. Ou que nascem em canteiros. Ou que eles normalmente dançam em cima dos capôs dos carros. Eles estavam em todo lugar: sobre muros, postes, caminhões, telhados. Versões haitianas das "gatas da laje" acenavam e
prometiam um amor histérico aos jogadores do lado de caixas d'água.

Reuters 
Haitianos sobem em árvores para tentar acompanhar partida contra o Brasil
A região de Porto Príncipe tem dois milhões de habitantes. Boa parte deles estava pulando nos cinco quilômetros que a seleção percorreu do aeroporto ao estádio. Alguns encarnaram os maratonistas e corriam. Outros, mais espertos, escoltavam com motocas velhas a parada esportivo-militar.

Num citytour pela miséria do Haiti, os blindados Urutus levaram os astros mundiais sob o sol de 35 graus. Do comboio de sete veículos, o terceiro era o principal, com Ronaldo e Ronaldinho. As pessoas se jogavam, tentando subir.

A identificação é clara: cercados de frustração no país mais pobre das Américas, eles enxergam nos atletas negros do Brasil um exemplo de sucesso. Isso já se viu na pista do aeroporto. Invadida por mais de 500 pessoas, os locais aplaudiam a cada jogador negro ou mulato. Juan e Roque Júnior, apesar de não serem astros, foram ovacionados e
distribuíram autógrafos, enquanto Roger, autor de dois gols,
passou despercebido.

Ronaldo, Ronaldinho e Roberto Carlos ganham gritos, enquanto Juninho Pernambuco, desconhecido pelos haitianos, acabou virando "Junino Fernambucao" pela pronúncia do locutor do estádio.

As cinco horas em que a seleção ficou no Haiti foram intensas. Na hora do hino brasileiro, todos se levantaram no estádio, como fosse o hino de sua nação. Mas para saber a letra, só as algumas centenas de soldados da força de paz, cantando a peito aberto.

O jogo começa, e o Brasil faz 1 a 0, com o branquelo Roger. Já o segundo gol foi como uma aparição para os haitianos: três dribles de Ronaldinho e um gol de sonho. Estava pago o ingresso.

AFP 
Haitianos saúdam passagem da seleção
Roger faria o terceiro gol, com passe de Ronaldo. O astro não volta para o campo na segunda etapa. Sai o jogador, mas entra seu papel de embaixador da ONU: o serviço de som do estádio emite frases de Ronaldo no idioma créole, de apoio às causas locais.

Segundo tempo é a hora de Ronaldinho brilhar mais. Faz um gol de falta, com ajuda do frango do goleiro. E marca também o 5 a 0. O novato Nilmar fecha o placar em 6 a 0.

O histórico mostra agora três jogos e três vitórias do Brasil contra o Haiti. Mas os jogadores haitianos nem pensam nisso. Eles deixaram de ganhar US$ 1.000 oferecidos pelo primeiro-ministro por um gol no Brasil. O defensor Jean Pierre se consola: "Vai fazer falta, mas foi uma honra jogar com os campeões do mundo."

Já os brasileiros sentiram na pele a paixão haitiana. "Vou guardar essas imagens na memória", disse o lateral Roberto Carlos. "Foi uma festa muito grande. Foi como a volta do pentacampeonato", afirmou Ronaldinho.

Já o coordenador Zagallo ficou exaltado: "Parecia que estávamos voltando do hexacampeonato. Que a luz daqui nos ilumine para o sexto título."

EFE 
O presidente Lula, o ministro Agnelo Queiróz e Ricardo Teixeira, da CBF
Na saída da seleção do estádio, os soldados brasileiros relaxaram e tietaram. Os mais exaltados eram os do quartel de São Leopoldo (RS), primeiros a chegaram ao Haiti, há dois meses. O alvo era o também gaúcho Ronaldinho. Eles deram até seus boinas azuis, que identificam as forças de paz da ONU, para o atacante assinar.

Ao final, o presidente Lula saiu de sua tribuna climatizada e foi ao vestiário congratular com os jogadores e festejar sua "diplomacia da bola". Já o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, esbravejava todo suado pelo estádio.

Mas ele não tinha do que reclamar da peça publicitária montada pelo exército, presidência e CBF. As tropas brasileiras no Haiti tentaram ganhar para elas o carisma da seleção. Um símbolo disso é que a Taça Fifa, ganha no pentacampenato, desfilou nas mãos de um soldado pelas ruas de Porto Príncipe.

Até os patrocinadores da CBF e TV Globo pegaram carona no "marketing da paz", com placas alusivas no estádio. Tanta propaganda serve para melhorar a imagem da CBF e do governo para os brasileiros, mas nesta quinta o Haiti vai amanhecer tão miserável quanto amanhã. Só resta, para eles, a realização do sonho de ter visto passar pela sua rua os
ídolos que só conheciam pela TV e rádio.

Veja também
Brasil não 'dá bola' para Lula e goleia Haiti por 6 a 0
Premiê haitiano "lamenta" namoro de Ronaldo
Lula chama soldados brasileiros no Haiti de "craques"
O dia em que virei Kaká em Porto Príncipe
Cassetete faz segurança no estádio do 'jogo da paz'


ÚLTIMAS NOTÍCIAS
03/09/2007
Mais Notícias