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Novo diretor do Corinthians detalha finanças preocupantes, déficit e cortes

Dassler Marques

Do UOL, em São Paulo

27/04/2018 04h00

As contas do Corinthians tiram o sono de Wesley Melo, diretor financeiro escolhido no início de fevereiro para a administração Andrés Sanchez. A despeito dos três títulos com Fábio Carille, ele admite que a situação não é nada confortável. "Me tira o sono", repete Melo, que tem carreira respeitada na área por empresas como Reed Exhibitions Alcântara Machado, Ogilvy Brasil e Grupo Pão de Açúcar.

Em 50 minutos de entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o diretor financeiro conta que o déficit de R$ 35 milhões em 2017 não é a pior notícia para o Corinthians, que desde então tem tido um déficit mensal de R$ 8 milhões aproximadamente.

O clube também deve R$ 26 milhões ao Fundo da Arena Corinthians, tem um endividamento bancário de R$ 420 milhões e, no auge da crise durante a gestão Roberto de Andrade, precisou da ajuda de empresários para honrar algumas contas porque não tinha mais crédito em bancos. O resultado foi pagar juros a Carlos Leite e Giuliano Bertolucci entre 1,5% e 1,9% ao mês. De acordo com Wesley, essa situação foi revertida.

Sem patrocínio máster há um ano, porém, segue impossível fechar as contas, embora os salários sejam pagos rigorosamente em dia. Wesley e o diretor de marketing Luís Paulo Rosenberg, que o escolheu, tentam fazer cortes no clube, enxugar o quadro de funcionários e renegociar contratos, um movimento idêntico ao que foi feito no começo da gestão Roberto de Andrade. Mesmo assim, o preço do futebol cresce e hoje é de quase R$ 13 milhões por mês.

Confira os melhores trechos da entrevista com Wesley Melo:

Déficit em 2017 foi de R$ 35 milhões
A gente fechou o balanço de 2017 há pouco, foi aprovado pelo Conselho na segunda (23), e você já deve ter visto o resultado de R$ 35 milhões de déficit. Me tira o sono esses tempos. Temos um fluxo negativo e precisa ser revertido de forma urgente. A falta de patrocínio em 2017, é um ano já sem patrocínio, e não temos vendas grandes para compor [o caixa]. É ruim compor com vendas, mas é a realidade do futebol brasileiro. Lá fora não dependem tanto disso, mas no Brasil é complicado.

Obs.: Desde o primeiro semestre do ano passado, o Corinthians não tem um patrocínio máster definido, portanto sem a sua segunda maior fonte de renda. A Caixa pagava R$ 25 milhões por ano e o então presidente Roberto de Andrade optou por não estender o vínculo até dezembro de 2017 por R$ 18 milhões.

Último ano da gestão Roberto foi o pior para o financeiro. Impostos atrasaram
2017 foi o ano mais difícil. Em 2016, teve bônus da TV Globo. Foi muito apertado, atrasamos alguns pagamentos de impostos ao longo do ano. Tivemos que pagar multas por esses atrasos, com juros altos, e então foi um ano que investimos um pouco mais no futebol. No fim de 2016, começamos a investir mais no elenco. Se você olhar o balanço, teve um incremento importante [de despesas] no futebol. Com aumento de custos versus queda de receita, a conta não fecha. Confio muito no Luís Paulo Rosenberg e no Caio Campos, que cuidam do marketing. Estou com expectativa boa de aparecerem novas fontes de receita. Pegar empréstimos não está dando. Estamos esgotando as linhas de financiamento todas.

Obs.: Em 2016, o Corinthians renovou seu acordo com a TV Globo para o Brasileirão e recebeu R$ 80 milhões em luvas.

Déficit mensal atual é de R$ 8 milhões

Corinthians foi campeão paulista, mas sem patrocínio no espaço principal da camisa - Ale Cabral/AGIF - Ale Cabral/AGIF
Corinthians foi campeão paulista, mas sem patrocínio no espaço principal da camisa
Imagem: Ale Cabral/AGIF

É mais ou menos isso. Não é que a receita é menor que os custos. O dinheiro que sai e entra está negativo em R$ 8 milhões. A longo prazo, isso é insustentável. Precisamos encontrar uma solução urgente para sanar isso. Tem coisas pontuais, como premiações de campeonatos, temos agora o Paulista também, mas a nossa intenção é de encontrar fundamentos para consertar para não depender de ações muito pontuais. Já foi feita uma análise da estrutura de custos no futebol e no clube, que tem um déficit importante, para reduzir custos. E o mais significativo é na Arena.

Clube coloca dinheiro na Arena. Não era o projeto
Foi em torno de R$ 25 milhões em 2016 e R$ 25 ou R$ 26 milhões em 2017 que o clube teve que assumir despesas. A estrutura é [para que o estádio se sustente] com a receita de bilheteria. Dessa receita, pagamos custos operacionais, financiamento da Caixa e o que sobrar vem para o clube. Se faltar, tem que devolver ao Fundo. São despesas operacionais, energia, segurança, custo que é responsabilidade do clube. Aconteceu que em 2017 não conseguimos pagar. Temos uma dívida reconhecida com o Fundo para pagar quando tivermos uma situação melhor de caixa e eles [Fundo] estão cientes.

Financiamento do estádio
Voltou em março a ser paga a parcela total de R$ 5,9 milhões. Pagamos março, pagamos abril e agora vamos continuar pagando. O Andrés chegou a dizer que pagamos em abril em uma entrevista, mas pagamos em março.

O Corinthians ficou sem crédito na gestão passada. Foi "salvo" por empresários
Se olhar as informações completas [no balanço], existe a redução do endividamento bancário. Banco tem juros altos, e houve uma redução. O endividamento aumentou para R$ 420 milhões porque ainda temos muitos direitos a pagar, muitos fornecedores. Um dos objetivos ao longo de 2017 foi reduzir o endividamento [bancário] porque tem juros altos. Esses empréstimos com empresários começaram em 2016 e no começo de 2017, que foi um momento delicado e era a alternativa que tinha. Não dava para voltar ao banco e pedir um novo empréstimo. Se a gente pudesse, faríamos isso com uma taxa mais baixa. Foi circunstancial e pontual [que fez empréstimos com agentes]. O objetivo é não pegar mais dinheiro com empresários. Foi uma necessidade, foi falta de crédito mesmo. Olhando a taxa agora, em 31 de dezembro como referência, a taxa [cobrada pelos agentes] se tornou mais alta que a taxa de juros bancários.

Obs.: Segundo balanço, o Corinthians recorreu a empréstimos aos agentes Carlos Leite e Giuliano Bertolucci com juros que chegaram perto de 2% ao mês.

Em 2015, a previsão era que o clube estaria melhor em 2017 e 2018. O que houve?
Acho que muito pela crise econômica que o país viveu. Uma crise mais longa que qualquer um não poderia prever. Falando de forma mais ampla, de Brasil, a gente imaginava o fundo do poço e descobria que tinha que descer mais um pouco. Foi difícil para captar novos patrocinadores. 2016 foi um ano bom para o Corinthians, com muita receita. Já 2017 foi muito apertado, e considero a principal causa as crises das principais empresas do Brasil, reduzindo investimentos publicitários. É muito dinheiro ficar sem a Caixa, é um patrocínio muito grande.

Gestão do Flamengo foi mais competente
Exceção ao Palmeiras, que tem a Crefisa, e o Flamengo, que foram competentes e tiveram um desempenho melhor que a gente, ninguém tem receitas tão altas. Em 2018, devemos passar algum sufoco. Terminamos o mês quatro e seguimos sem patrocínio. O que impactou em 2017 continua impactando, e espero por um resultado efetivo no próximo semestre com novas entradas e ações de redução de custo que comecem a impactar nosso balanço. Pode melhorar mesmo em 2019, por um acordo diferenciado com a TV Globo que vai prever uma remuneração em parte fixa para o clube, outra variável pela audiência e outra pela classificação. Não sabemos qual a nossa classificação, mas o bolo deve aumentar.

Cortes de despesas
Tanto na Arena quanto no clube, todos os contratos estão sendo revistos. A gente lançou metas: depende o tipo de despesa, temos meta de redução de 30%. Ou reduzimos o contrato com o mesmo fornecedor, sendo mais inteligentes e eficientes, ou trocamos. O clube tem mais de 700 funcionários, se considerarmos aqueles PJ, passa de mil. É muito grande. Comecei com Luís Paulo uma revisão de cargos e salários para ver onde a gente pode encontrar economia.

O corte dificilmente será no futebol, maior foco de gastos

Renovação de Balbuena foi confirmada pelo Corinthians - Divulgação/Agência Corinthians - Divulgação/Agência Corinthians
Renovação de Balbuena foi confirmada pelo Corinthians
Imagem: Divulgação/Agência Corinthians

Só vai dar um impacto significativo se tiver redução no futebol, que é o [custo] mais alto. É 50% das nossas despesas e, da despesa com pessoal, mais de 80%. Por outro lado, precisamos ter um time competitivo. É uma saia justa danada. É buscar equilíbrio. Não fazer investimentos altos é algo que a gente tem feito. O Roberto iniciou isso ao não renovar com Guerrero e Pablo. Nós renovamos agora com Balbuena, mas nas nossas condições, e fazendo contratações pontuais como o Sidcley, por empréstimo e que está dando resultado.

Folha hoje é de quase R$ 13 milhões no futebol
Em torno de R$ 12 a R$ 13 milhões [mês]. No futebol, é mais difícil de fazer cortes. Precisamos deixar o Carille com conforto para ter o melhor time possível, com o melhor elenco para ser competitivo. É difícil criar uma meta para o futebol. Converso com Duílio [diretor de futebol], ele é muito gentil e sempre me coloca a par dos investimentos. A gente só contrata se sai alguém de mesmo valor para buscar um equilíbrio. O que falta no futebol é receita. O custo eu dimensionei e vamos buscar. Mas, um milhão que reduza no futebol em um ano, ajuda no fluxo diário. Os licenciamentos e franquias é algo que dá para melhorar [para aumentar receitas].

Dá para investir na compra de reforços?
Não dá. Sendo bem objetivo, não dá. Não pensamos em investimento alto. A menos que o segundo raio caia como o Ronaldo, que era um astro com salário muito acima da média para representar o que era, mas conseguimos um patrocínio bem pontual para viabilizar. Tirando essa situação totalmente excepcional, hoje não temos condições. Não dá para prometer ou iludir. Vamos apostar no Roger, que vem com um investimento nas nossas possibilidades. O Duílio sempre observa tudo e pode ser que venha mais jogador, sim, mas nessas condições que não dependam de grandes investimentos agora.

O Corinthians já recebeu pela venda do Maycon ao Shakhtar?
A negociação com o Maycon está acontecendo e tem uma cláusula de confidencialidade. Não sei como isso acabou sendo publicado por outros meios, mas vou pedir que você me perdoe. Não estou autorizado a falar.

Obs: De acordo com o que foi publicado inicialmente pelo site Globoesporte, o Shakhtar pagou mais de R$ 12 milhões ao Corinthians antecipadamente pela venda de Maycon no meio do ano. O UOL Esporte confirmou as informações, mas a direção corintiana não fala a respeito.

A renovação com Balbuena causou que impacto no cofre do clube?
Dentro da nossa possibilidade. A gente reconhece o valor do Balbuena. Foi desgastante demais, meses de uma negociação tratada com os empresários e o jogador, mas que bom teve um final feliz. O jogador ficar era nosso desejo. Imagina repor alguém do nível dele. É difícil. Felizmente temos conseguido o Henrique que tem jogado muito bem.

Há receitas previstas de vendas antigas em 2018
O que tem em 2018 é a venda do Jô, que foi mais significativa, entrou em janeiro e vai refletir no próximo balanço. Desses valores, se não me engano, do Arana temos em torno de R$ 39 ou R$ 40 milhões, é o mais significativo. E do Malcom, de memória, são R$ 11 milhões. É algo que tentamos receber antes, mas está tudo dentro dos prazos.

O Corinthians também tem a receber de outros clubes

Martínez foi vendido ao Boca em 2013, mas Corinthians não recebeu até hoje - AFP PHOTO / ALEJANDRO PAGNI - AFP PHOTO / ALEJANDRO PAGNI
Martínez foi vendido ao Boca em 2013, mas Corinthians não recebeu tudo até hoje
Imagem: AFP PHOTO / ALEJANDRO PAGNI

O Boca ainda tem uma dívida para nos pagar. Temos dinheiro da Roma pelo Dodô, do Porto pelo Felipe, do Empoli pelo Matheus Pereira. Mas, na verdade, são tratativas em andamento, acontece. Temos clubes que também perdem fôlego, há uma renegociação, uma tratativa, mas há uma comunicação constante e não posso dizer que alguém está realmente devendo dinheiro. Tem conversas acontecendo, tratativas. O acordo [com Boca] é original, de longa data, mas estamos tratando para solucionar isso.

Obs.: Segundo o balanço, o total é de R$ 67 milhões entre atrasados e o que ainda vai vencer.

Nike socorreu o presidente Roberto no fim da gestão
Foi tudo certo em relação a isso. É uma renegociação com a Nike, recebemos um bônus de R$ 20 milhões pela assinatura. É um prêmio que a Nike paga, semelhante à Globo. O clube precisava de dinheiro, o contrato com a Nike prevê a renovação e há a possibilidade de postergar. A Nike paga a premiação e, mesmo se [hipoteticamente] se cancelar agora o contrato, em abril de 2018, não preciso devolver isso. Se tem essa condição, o que diz a legislação contábil é que posso reconhecer isso como receita recebida de 2017. É perfeitamente técnico do ponto de vista financeiro.

Obs.: O contrato foi recentemente renovado até 2028.