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Felipão revela que mudou voz para fugir de assédio do PSG: "Papai não está"

Daniel Vorley/AGIF
Imagem: Daniel Vorley/AGIF

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, em Lisboa (Portugal)

07/01/2019 04h00

Nada de Chelsea com Didier Drogba, Petr Cech e Michael Ballack. A primeira aventura europeia do técnico Luiz Felipe Scolari poderia ter sido com o PSG. Em biografia oficial recém-lançada pelo ex-jogador Maniche, que conta com depoimentos de nomes como Cristiano Ronaldo, José Mourinho e outros famosos, o comandante palmeirense revela o sufoco que passou com os franceses e que teve até mesmo de pregar uma 'peça' ao telefone para fugir do assédio no fim de 2002.

Naquela altura, Felipão vinha em alta após a conquista do pentacampeonato mundial com o Brasil e, entre outros clubes, despertou o interesse do PSG no mercado. Ainda sem o mesmo poder financeiro atual que seduziu Neymar em uma transferência recorde de 222 milhões de euros, os parisienses partiram com tudo para conseguir bater o martelo com o gaúcho.

"Antes de aceitar ser treinador de Portugal, tive outras propostas de clubes e seleções, inclusive, no dia em que assinei contrato com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), recebi na minha casa um empresário do PSG, mas a escolha estava feita", narra Scolari no livro "Maniche 18, as histórias (ainda) não contadas".

"Aceitei o desafio de Portugal porque entendi, na época, que teria em mãos uma das boas seleções europeias, que vinha de dificuldades no Mundial da Coreia e do Japão, mas que, com algumas alterações, tinha potencial para uma excelente participação no Europeu de 2004", completa.

A história de como tudo aconteceu foi compartilhada por Felipão no vestiário da seleção portuguesa.

"Tornou-se do conhecimento público que o presidente da FPF (Gilberto Madaíl) chegou a ter tudo acertado com o treinador Manuel José. Entretanto, houve uma aproximação com o treinador Scolari. O treinador que liderou a seleção do Brasil de Roberto Carlos, Rivaldo, Kaká e do Ronaldo, o Fenômeno, ao tão desejado título no Mundial", recorda Maniche.

"Alguém fez chegar a Scolari o interesse da FPF e deu a Madaíl o telefone de casa do treinador. A primeira chamada foi quase anedótica. Recordo-me de o próprio mister Scolari contar como foi o primeiro contato com o presidente Madaíl", acrescenta.

Felipão, então, descreveu a cena. "O presidente ligou para a minha casa e do outro lado ouviu uma voz distorcida que, sem ouvir nada do outro lado, disse: 'Papai não está'".

"O presidente respondeu: 'Não está? Senhor Scolari, aqui é Gilberto Madaíl, da federação portuguesa...' Ui, aí mudei a voz e pedi desculpa pela situação: 'Presidente, sou eu, claro. Desculpe, mas tinha de responder assim, pois os franceses não largam a minha perna...", completa.

Com o episódio inusitado, enfim, superado, uma reunião secreta foi combinada entre as partes na cidade de Guadalupe, próxima a Sevilha, na Espanha, e abriu caminho para que o técnico brasileiro construísse a sua história em Portugal.

Para trás, Felipão deixou o PSG e uma legião de compatriotas que, naquela época, contava com Ronaldinho Gaúcho, Aloísio Chulapa, André Luiz, ex-Corinthians e São Paulo, e Paulo César, ex-Fluminense, Vasco e Santos. Ele viria a assumir o seu primeiro clube no velho continente somente com o Chelsea, em 2008.

"Tu e o Scholes são os melhores meias do mundo"

felipão deco - Armando Franca/AP - Armando Franca/AP
Imagem: Armando Franca/AP

Sempre conhecido por tirar o máximo de seus atletas através da motivação, Luiz Felipe Scolari conquistou rapidamente o vestiário da seleção portuguesa. Na Eurocopa de 2004, disputada em casa, ele conduziu o grupo até a final contra a Grécia e deixou pelo caminho adversários de peso como a Inglaterra, a Espanha e a Holanda.

A preparação para o confronto contra David Beckham e companhia exigiu uma abordagem especial por parte do pentacampeão mundial, chamando Maniche e Deco para uma conversa à parte em seu quarto.

"Recordo-me de uma situação muito engraçada. Estava eu e o Deco no bar do hotel onde a seleção se encontrava estagiando quando o Murtosa surge ao pé de nós e diz: 'o treinador quer falar com vocês, mas individualmente'", relembra Maniche.

"O Deco disse que ia primeiro. Subiu no elevador e foi ao quarto do Scolari falar com ele. A conversa foi rápida, e o Deco regressa ao bar onde me encontrava. E subi eu. Bati à porta do quarto do mister e entrei. O Felipão perguntou como é que eu me sentia e se estava tudo bem. Falamos do jogo. Prolongamos a conversa por mais 10 minutos sensivelmente, e o Scolari me diz em forma de conclusão de conversa: 'Maniche, tu és um grande meio-campo. Não tenho a mínima dúvida de que tu e o Paul Scholes são os melhores meias do mundo", continua.

"Eu agradeci o elogio, despedi-me dele e saí do quarto cheio de moral, contente e com meu ego bem alimentado. Regresso ao bar para me encontrar com o Deco. Assim que chego, o Mágico me pergunta: 'mano, o que é que ele queria?' Eu lhe disse: 'mano, me disse que eu e o Scholes somos os melhores meio-campistas do mundo", prossegue.

"O Deco começa a rir gargalhando. Eu pergunto-lhe a razão para tamanho riso e ele me diz já com lágrimas nos olhos: 'mano, eu não acredito nisso. Ele me disse exatamente a mesma coisa. Tu e o Paul Scholes são os melhores meias do mundo. Desatamos os dois a rir. Nós entendemos a ideia, o mister queria nos motivar (...), mas se esqueceu que eu e o Deco tínhamos e temos uma amizade muito forte, que somos quase irmãos", conclui.

No fim das contas, Portugal passou pela Inglaterra nos pênaltis, derrotou a Holanda nas semifinais, mas foi surpreendida pela Grécia ao perder por 1 a 0 na decisão.

Carlos Alberto eternizado com o "conta até três e assobia"

carlos alberto porto - Associated Press- AP - Associated Press- AP
Imagem: Associated Press- AP

Outro brasileiro a cruzar o caminho de Maniche e que merece destaque especial em sua biografia é o meia-atacante Carlos Alberto, com quem atuou no Porto. Ainda muito novo naquela época, o jogador, que passou por Corinthians, Fluminense e mais recentemente Atlético-PR, teve no português um de seus padrinhos na chegada ao futebol europeu.

Ele protagonizou uma passagem no mínimo insólita no dia em que foi convidado para conhecer o escritório do empresário Jorge Mendes, que cuidava da carreira do próprio Maniche e está por trás de nomes como Cristiano Ronaldo e Mourinho.

"Por vezes, no futebol passamos por situações um pouco constrangedoras. Recordo-me de uma que vivi em 2004 com o Jorge Mendes, o presidente do Braga, António Salvador, e o brasileiro Carlos Alberto, meu colega no Porto. Naquele dia, fui ao encontro do Jorge no escritório da Gestifute (...) e levei comigo o Carlos Alberto, o Feijão, como nós lhe chamávamos", conta Maniche.

"O Carlos era um menino, tinha apenas 19 anos, acabara de chegar do Brasil, onde jogara no Fluminense, e eu estava a ajudar a sua adaptação ao país, à cidade do Porto e ao novo clube. Entramos os dois no escritório do Jorge, onde ele se encontrava reunido com o António Salvador", acrescenta.

"O Feijão, claro, não fazia a mínima ideia de quem era o António Salvador. De modo que chegamos ao pé dele e, em vez de naturalmente o cumprimentar, agarrar por trás nas partes baixas e diz-lhe: 'conta até três e assobia'", complementa.

"Eu fiquei perplexo, completamente paralisado com o que estava a ver. O António Salvador ficou completamente roxo... Nem contava até três, nem assobiava! Por seu lado, o Jorge estava vermelho, vermelho, e só teve tempo para dizer: 'larga-o, é o presidente do Braga!' O Carlos largou e, com uma cara completamente normal, disse em jeito de remate final: 'peço desculpa, não conhecia'", finaliza.