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De vizinhos em flat ao bate-boca público: Como Mano e Muricy viraram rivais

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

21/09/2014 11h00

Mano Menezes e Muricy Ramalho, nos tempos de Grêmio e Internacional, moravam em flats no mesmo condomínio e se encontravam ocasionalmente para conversar. Ambos já saíram de Porto Alegre há mais de oito anos, e a relação mudou. Hoje, os comandantes de Corinthians e São Paulo, rivais deste domingo, são rivais acirrados em campo, com direito a bate-bocas públicos e diversos sinais de tensão, que transformam o duelo entre eles em uma atração à parte.

Nenhum dos dois lados fala em rompimento. O estilo polêmico de ambos ajuda a acirrar a rivalidade, mas nem Mano nem Muricy se colocam como inimigos um do outro. Só não espere que eles, aleatoriamente, se encontrem para um bate-papo como em outros tempos.

Primeiro atrito
A tensão pública surgiu pela primeira vez em 2009, quando o Corinthians eliminou o São Paulo na semifinal do Paulista. Depois do primeiro jogo, Mano reclamou da estratégia de faltas do rival, que rebateu reclamando dos pênaltis que favoreciam os alvinegros. Na tréplica, o gaúcho disse ter vencido o clássico sem pênaltis, o que criou certa tensão.

Quando, na semana seguinte, o Corinthians consolidou a ida para a final com uma vitória marcante no Morumbi, Mano tripudiou de um comentário antigo de Muricy, que havia apostado em São Paulo e Palmeiras na final. “Não gosto muito de fazer previsões porque na última, o meu amigo Muricy rachou a bola de cristal ontem e quebrou hoje”, disse ele. Muricy não gostou.

“Ele ganhou, quem ganha pode falar o que quer. É tudo uma beleza. Mas eu normalmente não faço isso, acho desrespeitoso”, devolveu o são-paulino.

Dividida na seleção
Um ano depois, os dois se cruzaram a caminho da seleção. Depois da demissão de Dunga, em 2010, Muricy Ramalho foi convidado pela CBF, mas decidiu permanecer no Fluminense. Mano, então, saiu do Corinthians para assumir o cargo, inaugurando uma nova fase na relação.

Quando Muricy foi para o Santos, ele foi um dos maiores prejudicados pelas constantes idas de Neymar à seleção. As convocações irritavam os torcedores e dirigentes do clube praiano. Luís Álvaro de Oliveira Ribeiro, ex-presidente santista, chegou a insinuar que o técnico da seleção fazia de propósito para favorecer o Corinthians, seu ex-clube. Muricy, nesse caso, sem defendeu o colega.

“Desde o ano passado sabíamos que perderíamos, são jogadores com idade olímpica, nível de seleção, eles [Corinthians] não têm jogadores assim. O Mano tem que dar prioridade a essa seleção”, disse Muricy em 2012, antes dos Jogos de Londres, quando a polêmica estourou.

Só que o tratamento nem sempre foi polido assim. E diga-se, por culpa de Mano. Em 2011, Muricy falou em entrevista coletiva que gostaria que um jogo do Santos fosse adiado em função das convocações. Questionado sobre o assunto, o então treinador da seleção foi duro.

“Tenho problemas que chegam e não vou ficar pensando no problema dos outros. Ninguém resolve os meus problemas”, disse Mano. A aspereza foi duramente criticada por cartolas santistas. Muricy, outra vez, se redimiu. “Não quis ser mal-educado com o Mano. Tenho muito apreço pelo trabalho dele e só queria defender os interesses do Santos, como ele quer defender os da Seleção”, emendou o então técnico praiano.

Esse conflito se repetiu ao longo da passagem de Mano pela seleção, e os dois só discordaram em outro assunto. Em seguidas entrevistas o atual comandante do Corinthians defendeu que Neymar evoluiria taticamente se mudasse para a Europa. A opinião gerava repulsa do Santos, que lutava pela permanência do craque, e não encontrou coro em Muricy.

“Já dei a minha opinião e cada um tem a sua, estamos num país democrático. Tem de respeitar. É bom porque são jogadores [Neymar, Ganso e Lucas] que estão no Brasil ainda. Isso mostra que não precisa sair para ser um grande jogador”, disse Muricy.

Defesa dos cargos
As divergências nunca impediram, porém, que ambos defendessem o cargo alheio em momentos de crise. Em 2009, pouco depois daquele primeiro atrito entre as partes, Mano defendeu a manutenção de Muricy no comando do São Paulo.

“Não gosto muito de falar sobre o outro lado, mas o Muricy continua sendo um grande treinador. Ele já era grande no fim do ano passado quando conquistou o tricampeonato brasileiro, um título que poucos têm no currículo, quase ninguém em sequência, então não preciso falar mais nada”, disse Mano à época.

Três anos depois, foi Muricy quem saiu em defesa do colega quando ele estava prestes a deixar a seleção brasileira. Quando a demissão foi consumada, o hoje são-paulino criticou a CBF.

“Acho que era o melhor momento do trabalho do Mano. Ele pegou realmente o osso, porque era uma seleção que tinha que se renovar, e quando se renova é muito difícil atingir os resultados esperados no começo. Ele foi testando, testando, até achar. Então a gente não entende muito essas coisas, porque foi no melhor momento dele”, disse Muricy.

Rivalidade renovada em 2014
A atual fase da dupla é das piores em termos de relacionamento. Em menos de um ano de convívio no comando de Corinthians e São Paulo novamente, Mano e Muricy trocaram as piores farpas pela imprensa e seguem em posições antagônicas.

A briga começou no Paulista, quando uma derrota do São Paulo para o Ituano eliminou o Corinthians, que só empatara com o Penapolense, da competição. Mano foi aos microfones e deixou no ar que os rivais teriam “entregado”.

“Cada um sabe a consciência que coloca no travesseiro para dormir. Os deuses do futebol estão lá em cima e sabem bem conduzir o comportamento de cada um quando a bola rolar lá na frente. Vamos esperar o que os deuses vão fazer”, disse o comandante alvinegro, irritando Muricy Ramalho.

“Eu não sei como é essa coisa de passar para os seus jogadores de entregar um jogo. Não sei como se faz, não sei onde tem esse curso. Isso é pôr a condição de ser humano de lado. Tem de saber o que está falando, com quem está falando. Não se pode simplesmente insinuar as coisas. Não gostei, não”, disse Muricy à rádio Globo.

A briga foi tão feia que Edu Gaspar, gerente de futebol do Corinthians, pediu desculpas ao São Paulo por Mano Menezes e Romarinho, que havia sido ainda mais incisivo em uma entrevista na beira do gramado. Daí em diante, criou-se uma expectativa sobre como ambos iriam se tratar no encontro seguinte, na Arena Barueri, já pelo Brasileirão.

Antes do jogo, nenhum dos dois adiantou se cumprimentaria o rival. Na hora, eles se cruzaram, trocaram abraços e algumas palavras e seguiram para os respectivos bancos de reservas. Nessa semana, a coisa esquentou de novo.

“Acho engraçado as coisas que circulam por aí. Nós vamos a Coritiba, empatamos [se refere ao 0 a 0 do primeiro turno], e ainda com um homem a menos [expulsão de Fagner], e no dia seguinte é tumulto. Outros vão lá e tomam de três e está tudo normal. Que avaliação é essa?”, disse Mano, questionando o tratamento dado pela imprensa à derrota do São Paulo na última quarta.

A fala do técnico corintiano não foi endereçada a Muricy, mas o técnico tricolor, instigado pela imprensa, reagiu. “Não sei, não gosto de falar dos outros, do time adversário, do trabalho de outro técnico porque não acho legal. Tenho de falar do São Paulo. Se a gente perde, tem de encarar o nosso problema, não tem de transferir. Respeito todos eles e não gosto de falar de time adversário. Não gosto de ficar dando opinião sobre os outros”, disse ele, alfinetando o rival.