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Jogo de xadrez dos técnicos: quem terá a bola em Ponte Preta x Corinthians?

Maycon, do Corinthians, disputa com Nino Paraíba, da Ponte: rivais na final - Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians
Maycon, do Corinthians, disputa com Nino Paraíba, da Ponte: rivais na final Imagem: Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians

Dassler Marques

Do UOL, em São Paulo

30/04/2017 04h00

Vários dos últimos grandes campeões do futebol brasileiro, europeu e mundial se caracterizaram por um estilo de jogo baseado em posse de bola. No Campeonato Paulista a ser decidido por Ponte Preta e Corinthians a partir deste domingo, no Moisés Lucarelli, os finalistas estão distantes dessa ideia do Barcelona de Pep Guardiola, da Alemanha de Joachim Löw ou da própria equipe corintiana recente de Tite.

Anfitriã da decisão de ida, a Ponte de Gílson Kleina chegou ao mata-mata com a quarta melhor campanha e eliminou Santos e Palmeiras sem buscar a posse de bola para fazer gols. De acordo com o Footstats, a Ponte tem hoje média de 44% por jogo nesse fundamento.

Caracterizado pela melhor defesa da competição [10 gols sofridos em 16 jogos], o Corinthians de Fábio Carille também baseia suas ações ofensivas, normalmente, com reações ao jogo dos rivais. A posse corintiana é de 48% no Estadual.

A aplicação dessa estratégia de jogo, nos dois casos, está ligada à expectativa por resultados. No início da competição, era sobre Palmeiras, Santos e até mesmo o São Paulo do recém-contratado Rogério Ceni que recaíam o favoritismo pela conquista do Paulistão. Mas, com maior eficiência em duas equipes muito sólidas, Ponte Preta e Corinthians chegaram até a decisão com certa superioridade em relação aos rivais. Sem precisar da bola pela maior parte do tempo.

Como construir gols sem posse de bola?

Carille assumiu o Corinthians - Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians - Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians
Carille é primeiro treinador além de Tite e Mano a ser finalista com o Corinthians nos últimos 10 anos
Imagem: Daniel Augusto Jr. / Ag. Corinthians

Com trabalhos de relativamente pouco tempo, Carille e Kleina, que deu sequência aos trabalhos de Felipe Moreira e João Brigatti, optaram por desenhar equipes que se sentem mais confortáveis quando se defendem. Dentro dessa estratégia, é possível até induzir os rivais a atacarem de determinada maneira para que o consequente contra-ataque seja mais ameaçador. Quem explica melhor é Rodrigo Leitão, treinador e coordenador de base com passagens recentes pelos dois finalistas. Leitão é doutor em Ciências do Esporte pela Unicamp e professor de dois módulos de cursos na CBF.

"Nos últimos três, cinco anos no Brasil, as equipes e seus treinadores ficaram mais qualificados em se defender", atesta Leitão. "Não só em ficar atrás da linha de bola rebatendo, mas com alguns conteúdos se defender com mais qualidade e, tendo a bola, saber rapidamente o que fazer", explica. "Trabalhar com a posse de bola é muito mais complexo e requer mais tempo. Além disso, quando você opta por jogar sem a bola, estatisticamente as oportunidades de gol criadas pelas equipes que jogam assim são mais claras", compara.

Dentro desse cenário, Rodrigo Leitão explica que as equipes com a característica de jogo de Ponte Preta e Corinthians normalmente constroem seus gols de cinco maneiras específicas:

1) A partir de um erro forçado do adversário na saída de bola e uma recuperação rápida ainda no campo ofensivo
2) A partir de um contra-ataque que se inicia com uma bola longa
3) A partir de um contra-ataque que se inicia com uma arrancada direta e progressiva com bola pelo chão
4) A partir de um apelo maior às bolas paradas e a busca por elas em todos os momentos possíveis
5) Mesmo com a posse para criar, a equipe estica a bola direto ao campo do adversário e briga pela chamada "segunda bola", um rebote

O Corinthians de Fábio Carille passou pelos rivais do mata-mata, justamente, com gols desse tipo. Rodriguinho marcou contra o Botafogo-SP em um lance com a característica número 3, Jô anotou diante do São Paulo no Morumbi em um lance com a característica número 2 e novamente Jô, agora em Itaquera, fez diante dos são-paulinos em um lance de bola parada, número 4.

A Ponte Preta de Gílson Kleina também mostra força para fazer seus gols com essas características. Diante do Santos e do Palmeiras, Pottker [duas vezes] e Lucca marcaram para a Ponte em contra-ataques muito rápidos e verticais pelo chão (número 3).

No meio disso tudo, uma curiosidade: o Audax de Fernando Diniz, referência em alto índice de posse de bola, foi de vice-campeão em 2016 a rebaixado em 2017.

Ponte trabalha bola aérea; Corinthians quer criar mais

Kleina - PontePress/DJotaCarvalho - PontePress/DJotaCarvalho
Kleina só comandou a Ponte em seis jogos do Paulista até aqui
Imagem: PontePress/DJotaCarvalho

As programações semanais dos dois clubes para a decisão podem indicar qual será a estratégia de cada treinador para tentar ficar com o Paulistão. Na Ponte Preta, em meio a mistério em algumas das atividades, Kleina dedicou uma carga de trabalho grande aos lances de bola parada ofensiva. Dos 13 sofridos em 2017, o Corinthians de Carille levou três dessa natureza - Santo André, São Paulo e Internacional.

Por outro lado, certamente por decidir dentro de casa na próxima semana e ter um investimento superior ao da Ponte, o Corinthians trabalhou a construção ofensiva nos últimos dias, provavelmente por imaginar que será a equipe a tomar a iniciativa de jogo. Afinal, o índice ponte-pretano de posse é de 44%, contra 48% dos corintianos.

"São dois times meio parecidos", disse o corintiano Jô. "Ainda bem que estamos tendo essa semana cheia para trabalhar. Nossa equipe precisa evoluir em propor jogo, toda a vez que a gente propõe o jogo temos mais dificuldades. É natural para uma equipe em desenvolvimento. Estamos montando uma boa estratégia para fazer um bom jogo lá [em Campinas]", comentou o centroavante.

Tendência do futebol europeu hoje é ao jogo anti-Guardiola

Monaco - Ralph Orlowski/Reuters - Ralph Orlowski/Reuters
Semifinalista e máquina de gols, Monaco é o 24º no ranking de posse de bola da Liga dos Campeões
Imagem: Ralph Orlowski/Reuters

A atual temporada da Liga dos Campeões é bastante ilustrativa sobre o êxito de equipes que baseiam seu modelo de jogo em um índice não tão alto da posse de bola, justamente o contrário do princípio de Pep Guardiola que marcou duas conquistas com o Barcelona (2009 e 2011). Entre as quatro equipes que abrem as semifinais da competição nesta semana, a Juventus [quinta colocada] é a única entre os oito times com maior porcentagem de posse.

Se Corinthians e Ponte Preta passaram pelo mata-mata do Paulista com essa proposta, o mesmo se aplicou nas quartas de final da Liga dos Campeões. Monaco [contra o Dortmund], Real Madrid [diante do Bayern] e Juventus [contra o Barcelona] se classificaram com menos posse de bola que os rivais. O Atlético de Madrid até eliminou o Leicester com maior índice, mas precisou sair de seu estilo mais confortável, justamente o chamado jogo reativo.

FICHA TÉCNICA

PONTE PRETA x CORINTHIANS

Data: 30 de abril de 2017 (domingo)
Horário: 16h (Brasília)
Local: Moisés Lucarelli, em Campinas (SP)
Competição: Campeonato Paulista (primeira partida da final)
Transmissão na TV: Globo e Premiere FC
Árbitro: Raphael Claus (SP)
Auxiliares: Alex Ang Ribeiro e Luiz Alberto Andrini Nogueira (ambos SP)

PONTE PRETA: Aranha, Nino Paraíba (Jeferson), Fábio Ferreira (Kadu), Yago e Reynaldo (Artur); Fernando Bob, Jádson e Elton; Lucca, Pottker e Clayson. Treinador: Gílson Kleina.

CORINTHIANS: Cássio; Fagner, Balbuena, Pablo e Arana; Gabriel e Maycon; Jadson, Rodriguinho e Romero; Jô. Treinador: Fábio Carille.