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Longe do Brasil, revolução de filme com Brad Pitt ainda engatinha no futebol

Brad Pitt como Billy Beane no filme "O Homem que Mudou o Jogo": fé nos números - Reuters
Brad Pitt como Billy Beane no filme "O Homem que Mudou o Jogo": fé nos números Imagem: Reuters

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

18/02/2012 06h00

Desde sexta-feira, os cinemas do Brasil exibem “Moneyball: O Homem Que Mudou o Jogo”, sobre uma verdadeira revolução na maneira de analisar o beisebol. No filme, Brad Pitt vive Billy Beane, o cartola de uma equipe que, sem dinheiro para grandes estrelas, usa um sistema estatístico para buscar atletas eficientes que costumavam ser ignorados por olheiros tradicionais. A história é verídica e contaminou outros esportes. Inclusive o futebol.

SAIBA COMO SÃO COLHIDOS OS NÚMEROS DO FUTEBOL NO DATAFOLHA

O Liverpool, da Inglaterra, é o primeiro time a, abertamente, usar os conceitos do “Moneyball” em sua política de contratações e está cheio de conexões com o universo do filme. A teoria estatística inovadora mostrada no filme foi criada por Bill James, um ex-vigia noturno. Hoje, James é empregado do Boston Red Sox, cujos donos compraram recentemente o Liverpool.

Mais importante, porém, é o principal cartola do time inglês, o francês Damien Comoli. Responsável por ditar os rumos do time, incluindo as contratações, ele é amigo de Billy Beane, com quem costuma conversar sobre como traduzir o Moneyball para o futebol. E não está sendo fácil.

PAULINHO: EXEMPLO DE SUCESSO

  • Juca Varela/Folhapress

    O volante Paulinho é um dos exemplos de como as estatísticas podem ser usadas no futebol como em "Moneyball". O jogador chegou ao Corinthians desconhecido e hoje é um dos principais jogadores da equipe.

    Quem olhava para ele no Bragantino, via um jogador que marcava alguns gols. Três gols por um time pequeno no Campeonato Paulista é algo significativo. Mas, como volante, para que esses gols significassem algo, ele precisava, também, cumprir sua função como volante. E quando olhávamos os números dele, dava para ver que ele recebia bolas e ainda desarmava em níveis compatíveis com os principais volantes. Então, era um jogador diferente, que valia ser analisado?, conta Tura.

     

 

Em cerca de um ano, a principal contratação de Comoli ainda não funcionou: Andy Carroll, atacante inglês que chegou do Newcastle com média um gol a cada 120 minutos e, em 37 jogos pela equipe, marcou apenas sete vezes. A aposta aparentemente certeira que deu errado é apenas um exemplo de como ainda é explicar o futebol usando os números. Principalmente no Brasil.

PRIMEIRO DESAFIO: TRADUZIR O FUTEBOL

 

Nos EUA, é comum usar estatísticas dentro do esporte. No beisebol, por exemplo, jogadores guardam seus números de rebatidas, percentual de acertos e de corridas praticamente desde que o esporte nasceu. As pessoas estão acostumadas a usar números no esporte e analisar esses dados das maneiras mais diferentes possíveis.  Além disso, a natureza do futebol impede que um jogo seja traduzido fielmente pelas estatísticas.

“Nos EUA, usam muito bem as estatísticas porque os esportes permitem isso. No basquete, por exemplo, o número de ações, e suas variações, é muito menor. E elas acontecem muitas vezes. Um técnico pode ver que o jogador não está com a mão calibrada pelo número de arremessos errados. No futebol, é mais difícil enxergar essas tendências”, explica Fábio Tura, do Datafolha, um dos principais institutos de pesquisa do país e pioneiro na análise esportiva.

Outro problema pode explicar porque o Liverpool sofre, por exemplo, com Carroll: “Para avaliar se um jogador serviria para um clube de ponta, por exemplo, as estatísticas não conseguem explicar tudo. Existem outros quesitos que são importantes, como a parte física, a parte psicológica, mesmo o impacto econômico. Sozinhas, as estatísticas podem não servir para dizer se alguém serve para um time. Mas sei que servem para descartar alguém”, diz Tura.

ROMÁRIO: BAIXINHO CONTRARIA NÚMEROS

  • Folhapress

    Se Paulinho é o exemplo de sucesso das estatísticas, Romário é o jogador que contradiz qualquer teoria. ?Um jogador, para ser efetivo, precisa participar da partida. E, pelas estatísticas, você comprova isso vendo quantas bolas ele recebe. Mas o Romário contraria isso. Ele ficava dentro da área, recebia três, quatro bolas em toda a partida. Isso seria ruim para qualquer atacante, mas não para ele. Ele recebia poucas bolas, mas quando recebia, ele marcava. Era muito eficiente. Então, o número que importava para ele era o aproveitamento?.

SEGUNDO DESAFIO: CONVENCER OS TÉCNICOS

Outro problema para lidar com as estatísticas é convencer os técnicos a aceitarem os conceitos do Moneyball. E esse é um desafio que pode ir além das contratações. O próprio cartola do Liverpool, Comoli, enfrentou problemas assim. Quando trabalhava no Tottenham, não conseguiu um diálogo produtivo com o técnico holandês Martin Jol. No próprio Liverpool, a comunicação com o atual treinador, Kenny Dalglish, já teve momentos ruins.

O preconceito com os números pode ser visto até mesmo em áreas em que se costuma usá-los. O Datafolha já forneceu dados para times de futebol, trabalhando diretamente com a comissão técnica. Mas o diálogo, nesses casos, ainda era truncado. “Para que o uso das estatísticas dê certo, você precisaria ter uma voz, como um ponto eletrônico dos narradores de TV. Mas os treinadores não têm uma cultura de aceitar alguém dando palpite. Um técnico não gosta de ouvir você dizendo que fulano tem de sair porque não está cumprindo sua função, mesmo que você prove isso por números”, explica Tura.

Um serviço, porém, tem boa aceitação: o de espionagem: “Foi assim que os scouts nasceram, como espiões, e é esse serviço que os técnicos adoram. Receber informações sobre o adversário, como jogam os rivais, informações detalhadas de cada jogador, para que se possa criar um plano de jogo para a partida seguinte”.

SUAREZ: O BOM E O RUIM DO MONEYBALL

  • Phil Noble/Reuters

    Além de Andy Carroll, o Moneyball do Liverpool tem outra contratação emblemática: o uruguaio Luis Suarez. E ele é um exemplo do bom e do ruim do sistema. O jogador, que brilhou na Copa do Mundo de 2010, marcou 13 vezes em 36 partidas pela equipe, seis a mais que seu companheiro Andy Carroll (que deveria ser o homem-gol do time).

    “Olhamos as estatísticas dos últimos três anos, principalmente analisando o número de partidas que ele disputou. O foco é em jogadores que não se machucam muito. Além disso, olhamos o número de assistências e analisamos como ele jogou contra times grandes, pequenos, nas copas européias, os gols em casa e fora”, disse Comoli à revista France Football.

    Ele não esperava, porém, que o jogador que não se machuca poderia ter problemas extra-campo que custaram jogos. O jogador se envolveu, recentemente, em episódios racistas e acabou suspenso pela FA.

     

TERCEIRO DESAFIO: BASE DE DADOS

Além da dificuldade em traduzir o esporte e se comunicar com os técnicos, o futebol ainda padece da falta de base de dados. Hoje, só a elite da Europa tem um sistema de coleta de dados consistente. E o Brasil é o maior exemplo disso. O país é um dos maiores exportadores de material humano da modalidade. Mas se alguém como Comoli quiser vir até aqui e olhar as estatísticas de um jogador, as opções serão limitadas.

Atualmente, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e as federações estaduais não monitoram os números de suas competições. Apenas dados básicos, como número de jogos, gols ou cartões são computados e arquivados. Dados mais apurados, só com institutos de pesquisas ou empresas especializadas em estatísticas. O Datafolha, por exemplo, só coleta dados do Campeonato Paulista, do Brasileirão da Série A e dos jogos da seleção brasileira. Outras empresas fornecem serviços de estatísticas com cobertura maior, mas trabalham há pouco tempo no mercado e não tem dados históricos.

Não bastasse a falta de dados na elite, o futebol verde-amarelo ainda esbarra na falta de informações dos atletas em formação. Nos EUA, é comum que as estatísticas dos jovens atletas sejam guardadas desde o início da vida esportiva. Quando um atleta chega ao topo, pode comprovar sua evolução baseada em números. Por aqui, as apostas em novos nomes se dão mais por intuição.

“Não existe mesmo um acompanhamento estatístico desde as categorias de base, integrado com o nível profissional. No Brasil, impera o imediatismo. Os treinadores duram pouco tempo. A filosofia e o planejamento duram apenas três ou quatro derrotas”, diz Tura. “Além disso, as categorias de base são território de agentes e empresários de jogadores. Os próprios clubes sofrem com este monopólio. Aqui impera o lucro e as estatísticas só são lembradas quando favorecem um negócio”.