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Como revolução uruguaia pode levar Kaká à diretoria da CBF

Ídolo de São Paulo e Milan estuda para trabalhar com gestão no futebol - Valery HACHE / AFP
Ídolo de São Paulo e Milan estuda para trabalhar com gestão no futebol Imagem: Valery HACHE / AFP

Bruno Grossi

Do UOL, em São Paulo

24/01/2019 04h00

A possibilidade de Kaká ser convidado para integrar a diretoria da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) é consequência de um movimento muito maior iniciado a milhares de quilômetros da sede da entidade, no Rio de Janeiro. No Uruguai, uma revolução no futebol local tirou a força de cartolas conservadores e abriu espaço para que atletas tenham representatividade e poder de decisão no esporte.

Desde estrelas mundialmente famosas, como Luis Suárez e Edinson Cavani, a figuras mais anônimas, jogadores e clubes uruguaios se uniram para tentar reformar o futebol do país. Começou com greves e reclamações na Fifa contra os contratos assinados pela Associação Uruguaia de Futebol (AUF), como fornecimento de material esportivo e direitos de transmissão, e terminou com um novo estatuto para reger o esporte local, aprovado no fim do ano passado.

Veja algumas das novidades do novo estatuto do futebol uruguaio:

  • A bancada executiva da AUF agora conta, obrigatoriamente, com representantes do futebol profissional, do futebol feminino (necessariamente uma mulher) e do futebol amador. São jogadores e ex-jogadores escolhidos pelos atletas;
  • Na assembleia, também terão representatividade os árbitros;
  • Cada "classe" tem um peso específico nos votos. Os antigos dirigentes tiveram o poder reduzido;
  • Foi criado um órgão regulador, de fiscalização e auditoria, que analisará todos os contratos da AUF antes de serem levados para votação na assembleia.

Para transformar o desejo por mudanças radicais em realidade, os uruguaios se uniram da seleção ao futebol amador, passando pelo futebol feminino e até pelos árbitros. Líderes do movimento buscaram contato com os presidentes da Fifa, Gianni Infantino, e da Conmebol, Alejandro Domínguez, e ouviram que os atletas teriam apoio irrestrito para implantar o novo estatuto.

Respaldados pelos "superiores" da AUF, que estava com a imagem arranhada e fragilizada, os jogadores conseguiram que o poder fosse dividido. A reforma colocou em prática ideias inspiradas nas melhores ligas da Europa, como Inglaterra, Alemanha, França e Espanha, e tem sido tomada como exemplo por outros países sul-americanos. No Peru, um movimento similar já começou e também começa a dar as caras na Argentina e no Brasil.

O elo dos uruguaios com os brasileiros tem sido Diego Lugano, ex-capitão da seleção celeste e atual superintendente de relações institucionais do São Paulo. Ele já havia sido um dos líderes do movimento no Uruguai ainda no período das greves, quando chegou a pedir liberação ao Tricolor para viajar a Montevidéu e ajudar os compatriotas.

Diego Lugano assina documento - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Diego Lugano foi responsável por alinhar pensamentos de brasileiros e uruguaios
Imagem: Acervo Pessoal

No Brasil, Lugano se aliou a nomes que integravam o Bom Senso FC, principalmente ao goleiro Fernando Prass, do Palmeiras, ao zagueiro Paulo André, do Athletico-PR, e do ex-volante César Sampaio. O grupo conta ainda mais participantes, tem concentrado forças em São Paulo e acredita que a nova diretoria da CBF, que tomará posse em abril, tende a ser mais aberta para as reivindicações dos atletas.

Isso passa pelas conversas que já aconteceram com o futuro presidente da entidade, Rogério Caboclo. Ele é visto como um dirigente de cabeça muito mais aberta do que os antecessores e gostou da ideia de ver um representante dos jogadores no executivo da CBF. Foi aí que o nome de Kaká apareceu.

O ex-meia tem estudado gestão do futebol na Uefa e chegou a receber convite do Milan para trabalhar com Leonardo e Paolo Maldini na diretoria do clube italiano. Kaká é visto como alguém que consegue agradar todas as partes do processo: é respeitado pelos cartolas antigos, querido por jogadores, circula no mercado internacional e tem carinho do público brasileiro em geral.

A expectativa é que já em abril aconteçam mudanças mais sensíveis na participação de atletas e ex-atletas na CBF - e não só na seleção brasileira, como já acontece com Edu Gaspar. Ter apenas um representante, e sem ser escolhido por uma votação entre os jogadores, ainda não é visto como ideal, mas é a luz que o movimento precisava para seguir se espalhando pela América do Sul.

Procurada para comentar o caso, a CBF evitou se pronunciar sobre o movimento. O futuro presidente da entidade, Rogério Caboclo, apenas informou que tem conversado com ex-jogadores sobre seus planos à frente da entidade.