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FifaGate termina com Marin preso. Julgamento teve Globo e Del Nero citados

Marin na época de sua extradição da Suíça aos EUA; dirigente foi condenado e preso -  REUTERS/Brendan McDermid
Marin na época de sua extradição da Suíça aos EUA; dirigente foi condenado e preso Imagem: REUTERS/Brendan McDermid

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Nova York (EUA)

23/12/2017 04h00

Desde dia 6 de novembro, a Corte Federal do Brooklyn, em Nova York, julga três poderosos dirigentes latino-americanos: o ex-presidente da CBF, José Maria Marin, o ex-presidente da Conmebol, Juan Ángel  Napout, e o ex-presidente da Federação Peruana de Futebol, Manuel Burga. Grande conclusão do chamado "Fifagate", o longo processo movimentou a cartolagem mundial, envolveu a até a Globo e terminou com punição aos dirigentes. O UOL Esporte relembra, a seguir, o que aconteceu em mais de um mês de julgamento. 

O desfecho mais importante, claro, é a prisão de Marin. O ex-presidente da CBF, assim como Juan Ángel Napout, foram considerados culpados de algumas das acusações atribuídas - o júri ainda analisa as acusações envolvendo Burga. A sentença definitiva só será anunciada em alguns meses, mas, apesar do pedido dos réus, a juíza decidiu que eles deveriam aguardar presos. 

Os três, além de vários outros cartolas da Conmebol (Confederação Sul Americana de Futebol) e da Concacaf (Confederação de Futebol das Américas do Norte, Central e Caribe), participavam de um esquema de recebimento de propina complexo, que envolvia os contratos de comercialização dos direitos de transmissão de campeonatos como as copas América, Libertadores, do Brasil, Centenário, Ouro e eliminatórias da Copa do Mundo.

Os executivos das empresas que participavam do esquema, pagando propina para manter o monopólio sobre os direitos, também foram acusados, mas optaram por se declarar culpados e assinaram termos de delações premiadas em troca de darem seus depoimentos abrindo os detalhes de todo o esquema. 

Deste grupo, os mais importantes são o empresário brasileiro e ex-jornalista esportivo José Hawilla, dono da empresa de mídia Traffic, e o empresário argentino Alejandro Burzaco, ex-sócio da empresa Torneos y Competencias.

De acordo com o depoimento de Hawilla, as propinas para obtenção dos direitos de transmissão começaram por volta de 1986, quando pagou para o então presidente da Conmebol, Nicolás Leoz, entre US$ 400 mil e US$ 600 mil pelo contrato da Copa América de 1987. A partir daí, segundo ele, ficou "refém" do esquema, que logo ganhou mais dois importantes aliados: o brasileiro Ricardo Teixeira (ex-presidente da CBF) e o argentino Julio Grondona (ex-presidente da Associação de Futebol Argentina, AFA, na sigla em espanhol).

O esquema foi mantido entre os três até mais ou menos por volta de 2010, quando os presidentes das federações de Peru (Burga), Paraguai (Napout), Venezuela (Rafael Esquivel), Colômbia (Luis Bedoya), Equador (Luis Chiriboga) e Bolívia (Carlos Chavez) resolveram que era hora de eles também receber sua fatia do bolo, criando o chamado "grupo dos seis". Maioria nas votações da Conmebol, eles comandariam as decisões relativas aos direitos de transmissões ao derrubar Leoz e eleger Napout.

O esquema, que segundo a Promotoria do caso arrecadou cerca de US$ 76,7 milhões, gerou uma teia de empresas de fachada espalhadas por vários paraísos fiscais que utilizavam a rede bancária americana para lavar dinheiro — o que levou a uma investigação conjunta entre o FBI e a receita federal americana.

Em 28 de maio de 2015, o FBI pôs em prática uma ação conjunta com a polícia suíça e prendeu, em um hotel em Zurique, sete cartolas, incluindo-se José Maria Marin. Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero, o atual presidente suspenso da CBF, não haviam sido envolvidos até aquele momento. Hoje, as investigações já levaram ao indiciamento de 41 pessoas.

Marin, Napout e Burga estão sendo acusados de sete crimes: conspiração para recebimento de dinheiro ilícito, conspiração para lavagem de dinheiro nas Copas América, Libertadores e do Brasil e conspiração para fraude financeira relativas às mesmas copas. Em cada uma das acusações, a pena máxima pode chegar a 20 anos de prisão. Marin é o único que é acusado dos sete, enquanto Napout é réu em cinco e Burga em apenas um.

Já foram julgados, condenados ou se declaram culpados e condenados 12 indiciados, que se comprometeram a pagar ao governo americano US$ 190 milhões.

Os depoimentos foram encerrados e o júri considerou Marin culpado de seis das sete acusações atribuídas a ele. No caso de Napout, ele foi considerado culpado de três das cinco acusações. A juíza Pamela Chen determinou a prisão imediata da dupla.

Com o término da decisão do júri e faltando apenas a sentença, a reportagem do UOL elaborou uma lista com os momentos mais importantes deste caso.

Globo é acusada de pagar propina

O primeiro depoimento bombástico do caso que ficou conhecido nas redes sociais como Fifa Gate foi feito pelo empresário argentino Alejandro Burzaco, que comandava a empresa Torneos y Competencias. A Promotoria mostrou transcrições de mensagens de WhatsApp entre Burzaco e vários dirigentes da Conmebol, mostrando uma troca de favores que consistia na distribuição de ingressos VIP para a Copa do Mundo de 2014 para autoridades paraguaias. Segundo o delator, o objetivo era agradar o também paraguaio Juan Carlos Napout, que, uma vez eleito presidente da entidade, garantiria a extensão dos contratos da TV Globo e daria à Fox a exclusividade para o restante das Américas. 

O delator contou ainda que se encontrou para um café da manhã no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, com Marcelo Campos Pinto, hoje ex-diretor da Rede Globo, para discutir a propina da emissora brasileira e a cessão dos contratos de torneios sul-americanos. Ele também acusou a Globo de pagar US$ 15 milhões de propina a Julio Grondona, ex-presidente da Associação do Futebol Argentino (AFA) e então membro do comitê financeiro da Fifa, na compra dos direitos de transmissão das Copas do Mundo de 2026 e 2030, além de ter detalhado o montante de dinheiro pago aos acusados. No entanto, ele foi o único a citar a emissora carioca durante o caso. Em nota, a Globo disse não ter tido conhecimento de tal pagamento.

Dermatite

Um julgamento envolvendo brasileiros, peruanos, paraguaios e argentinos não poderia deixar de ter sua dose de drama. Por isso, ao fim do depoimento de Burzaco, outro dos réus, o peruano Manuel Burga aproveitou a dispensa do júri e a dispersão dos advogados para fazer uma ameaça ao delator argentino. Segundo os promotores, Burga teria feito duas vezes um gesto com o dedo indicador ao longo de seu pescoço, insinuando que iria cortar o pescoço do delator. A promotoria então pediu à juíza Pamela Chen, que preside a corte, que colocasse Burga na prisão até o fim do julgamento. A defesa de Burga ameaçou entrar com pedido para anular o julgamento caso isso acontecesse e disse que o gesto de seu cliente foi apenas "uma coceira no pescoço devido a uma dermatite".

Paul McCartney, David Guetta e Kevin Jonas

Astros do pop também foram presença constante durante os depoimentos do Fifa Gate. Começou com Paul McCartney. O delator Santiago Peña, ex-diretor financeiro da Full Play, outra empresa argentina que pagava propina aos cartolas, afirmou que o primeiro pagamento feito a Juan Ángel Napout foram US$ 10 mil em ingressos para um show do ex-beatle ocorrido em 11 de novembro de 2010 no Estádio do River Plate, em Buenos Aires. Uma das advogadas de Napout quis negar que o show tenha acontecido, então a Promotoria usou uma artimanha inusitada para provar que Paul McCartney havia tocado na capital argentina: chamou para depor o ex-integrante da banda Jonas Brothers, Kevin Jonas, que foi convidado para o show e que tocaria no mesmo local dois dias depois. 

Mas sobrou mesmo para o DJ David Guetta, que foi laranja sem saber e recebeu o cachê de uma apresentação sua no Equador com dinheiro sujo. Quem revelou o esquema foi José Luis Chiriboga, filho do ex-presidente da federação equatoriana de futebol Luis Chiriboga. Segundo ele, o pai também produzia shows de música pop no país e usava o dinheiro que recebia de propina para pagar os artistas.

Arapuca para Marin

Talvez a maior prova do envolvimento de José Maria Marin no recebimento de propinas tenha saído de uma armadilha preparada pela Promotoria, que usou José Hawilla como espião. Após o empresário brasileiro se declarar culpado pelos crimes de conspiração, lavagem de dinheiro e fraude, além de pagar uma multa de cerca de US$ 150 milhões ao governo americano, Hawilla também teve de gravar conversas com vários dos envolvidos no caso com o intuito de obter confissões ou evidências de sua participação no esquema de corrupção. 

De acordo com uma conversa gravada em 30 de abril de 2014 durante um evento em Miami, Hawilla questiona Marin se "é mesmo necessário dar R$ 1 milhão para o Ricardo (Teixeira)", e o então mandatário máximo da CBF responde: "Eu acho que pelo que já fizemos e estamos fazendo era para chegar para o nosso lado", em referência ao pagamento de propina aos dirigentes no contrato de cessão dos direitos de transmissão da Copa do Brasil entre 2013 e 2022.

Ladrão que rouba ladrão

Um ex-funcionário de José Hawilla, o brasileiro Fabio Tordin, também sentou no banco das testemunhas após assinar um acordo de cooperação com o governo americano. Além de dar detalhes do esquema de corrupção, chamou a atenção em seu depoimento o relato que fez de suas atividades após deixar a Traffic USA, também de propriedade de Hawilla. Segundo Tordin, ao ser demitido, abriu uma empresa semelhante cujo objeto era tirar os clientes de seu ex-patrão utilizando-se do mesmo expediente: pagando propina. Posteriormente, o brasileiro foi contratado pelo empresário Roger Huguet, da Media World, para continuar realizando a mesma atividade. Como Tordin era responsável por negociar o valor da propina, ele superfaturava os valores repassados a Huguet. Um pagamento que deveria ter sido de US$ 600 mil, por exemplo, ele superfaturou para US$ 1 milhão e embolsou US$ 400 mil, que dividiu com outro funcionário da Media World. Era a propina da propina.

Luxo

Outra forte evidência contra José Maria Marin foi apresentada pela última testemunha convocada pela Promotoria, o agente da receita federal americana Steve Berryman, que mostrou o caminho feito pelo dinheiro recebido pelo ex-presidente da CBF. Um extrato de sua conta no banco Morgan Stanley, em Nova York, mostra que ele recebeu US$ 1,5 milhão em três pagamentos de US$ 500 mil provenientes de duas empresas de fachada criadas apenas para realizar esse tipo de pagamento. A cereja do bolo foi quando o procurador Samuel Nitze, que conduz o caso, mostrou o extrato da conta com gastos que totalizam US$ 118 mil dólares em grifes como Chanel, Hermés, Dior entre outras. Durante as considerações finais perante ao júri, o advogado de defesa de Marin justificou os gastos dizendo que "gente rica gasta dinheiro" e que isto "não é contra a lei".

Monarquia

Durante os depoimentos dos indiciados que se declararam culpados dos crimes apontados pela Promotoria, mais de uma vez foi citada a relação íntima entre Marin e o atual presidente suspenso da CBF, Marco Polo Del Nero. Alejandro Burzaco e José Hawilla disseram que ambos dividiam a propina, andavam sempre juntos e eram chamados de "gêmeos siameses". Hawilla inclusive disse que ambos funcionavam como uma "monarquia", na qual Marin seria o "rei", responsável pelos discursos e por levantar os brindes, enquanto Del Nero era o presidente, que executava as ordens. 

A defesa de Marin, em suas considerações finais, chegou a usar isso para sugerir que o papel de seu cliente na CBF era meramente decorativo, e que o cargo foi algo que "caiu em seu colo" e algo "que ele nunca quis". Seus advogados também apelaram para sua idade avançada e, para livrá-lo da acusação da Promotoria de ferir o código de ética da CBF e da Conmebol, disseram que o documento nunca chegou a ser traduzido para o português e que, por isso, ele nunca leu o tal código de ética, originalmente escrito em inglês. Marin é formado em direito e tem um apartamento em Nova York, na Trump Tower, há 30 anos.

Logo após a acusação feita por Marin, Marco Polo Del Nero se manifestou por meio de carta assinada. O dirigente lançou um desafio à Justiça dos EUA e à Fifa de comprovarem esquemas de corrupção envolvendo o seu nome.