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Confederação de Tênis usou notas frias na prestação de contas de verba pública

Bola para na rede em partida de tênis: denúncia contra confederação brasileira - AFP PHOTO/ Martin Bernetti
Bola para na rede em partida de tênis: denúncia contra confederação brasileira Imagem: AFP PHOTO/ Martin Bernetti

José Cruz

Do UOL, em Brasília

06/02/2013 06h00

O presidente da CBT (Confederação Brasileira de Tênis), Jorge Lacerda da Rosa, apresentou junto ao Ministério do Esporte notas fiscais frias na prestação de contas de um projeto de R$ 601,6 mil. Na ponta do lápis, R$ 440 mil foram gastos em serviços não realizados.

A verba, obtida através da Lei de Incentivo ao Esporte, foi aprovada para a realização de uma etapa do Grand Champions Brasil, em 2011, em São Paulo. Porém, após denúncia recebida, os técnicos do Ministério do Esporte foram rigorosos na análise da prestação de contas e concluíram que houve irregularidades.

“A gestão dos recursos ocorreu de forma temerária”, afirmaram os técnicos. “Houve comprometimento da probidade dos atos” e “infrações às legislações civil e criminal,” diz o documento oficial.

O parecer técnico do Ministério, de 13 de dezembro de 2012, assinado por Giuliano Duarte, Newton Koji Uchida e Paulo Vieira, deverá incorporar processos que já tramitam no Ministério Público e a Polícia Federal, em São Paulo, com denúncias de outras irregularidades da Confederação de Tênis.

JOSÉ CRUZ COMENTA O CASO

  • Ao ter a prestação de contas de R$ 600 mil reprovadas pelo Ministério do Esporte, o presidente da CBT escancarou a fraude. Usou notas fiscais que não correspondem à realidade do gasto. E, sem sabermos qual foi o destino do dinheiro oficial, a falcatrua tornou-se explícita. Caso de polícia? Leia mais

Um dos fatos mais graves constatados pela fiscalização refere-se à nota fiscal de R$ 400 mil, da Premier Sports Brasil, para pagar o aluguel de duas quadras de saibro da Sociedade Harmonia de Tênis, em São Paulo, destinadas ao Grand Champions Brasil, que integra o Circuito de Tênis Internacional da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais).

Consultado pelo Ministério do Esporte sobre esse pagamento, o presidente da Sociedade Harmonia, Marcelo Bandeira de Mello, afirmou que não recebeu qualquer valor pelo aluguel: “Houve cessão gratuita das quadras entre 26 e 29 de maio de 2011”, disse o dirigente, por escrito, anexando carta-acordo firmada com a promotora do torneio.

Em outra operação, a Brascourt Pisos Esportivos Ltda recebeu R$ 40 mil da Confederação de Tênis para montar uma quadra com piso de borracha. A nota fiscal dessa operação está no processo de prestação de contas. Porém, esse serviço não foi realizado, segundo o presidente do clube Harmonia.

“Não houve construção de quadras, assim como também não houve instalação de piso de borracha em nossas quadras”, respondeu o presidente da Sociedade Harmonia. A manifestação contrasta com a proposta original do projeto e caracteriza fraude na prestação de contas do presidente da CBT, Jorge Rosa.

O Ministério do Esporte ainda não se manifestou sobre o pedido de devolução do dinheiro e se abrirá processo cível e criminal contra os envolvidos.

Ex-vice-presidente da CBT fez a denúncia

O assunto sobre a ilegalidade na prestação de contas chegou ao conhecimento do Ministério do Esporte em setembro do ano passado através de Arnaldo Gomes, então vice-presidente da CBT.

Ao ser informado que seria ouvido pela Justiça de São Paulo em um processo contra a Confederação, junto com os demais integrantes da diretoria, Arnaldo começou a investigar os motivos da denúncia, cujo processo corre em “segredo de justiça”.

“O resultado daquela investigação comprova minha suspeita sobre a má gestão financeira de Jorge Rosa à frente da CBT”, disse Arnaldo Gomes, que já foi presidente da Federação de Tênis de Brasília.

Arnaldo e Jorge tornaram-se aliados em 2004, quando foi deflagrado o “Movimento Tênis Brasil”, que culminou com a queda do então presidente da CBT, Nelson Nastás. A nova diretoria – Jorge Rosa à frente e Arnaldo como segundo vice –  assumiu a Confederação em 2005, inclusive com apoio de atletas – Gustavo Kuerten entre eles –, técnicos e a promessa de realizar “gestão transparente”.

“Fico triste com este episódio das irregularidades nas notas fiscais. Jorge não se preocupou em fazer um trabalho de equipe como sugeriu o Movimento Tênis Brasil. Tudo o que se projetou ele não seguiu, inclusive se reelegendo recentemente para o terceiro mandato, depois de ter modificado o estatuto para ter legalidade no ato”, afirmou Arnaldo Gomes, já fora da diretoria da CBT.

Depois de ler o processo e constatar que os fiscais reconheceram as ilegalidades na prestação de contas, o ex-vice-presidente acredita que Jorge Rosa decidiu antecipar sua tripla eleição e posse para o novo mandato.

“Nosso mandato iria até março”, explicou Arnaldo. Mas Jorge realizou eleição no ano passado, e, agora, há uma semana, foi empossado.

“Acredito que ele estivesse com medo de ser notificado pelo Ministério do Esporte sobre as irregularidades encontradas e fosse impedido de assumir para o terceiro mandato, pois este assunto é grave e pode inviabilizar uma nova gestão”.

Presidente explica apenas para o Ministério

A reportagem do UOL Esporte tentou ouvir o presidente da Confederação Brasileira de Tênis, sem sucesso. Porém, o processo que analisa a prestação de contas, conduzido pelo Ministério do Esporte, inclui justificativas de Jorge Rosa. Inicialmente, ele procura descaracterizar as denúncias e, em seguida, dá explicações que não convenceram os fiscais.

Sobre o repasse de R$ 400 mil à empresa Premier Sports, para pagar a quadra na Sociedade Harmonia, que foi gratuita, assim se explicou Jorge Rosa:

“(...) a Premier, como detentora da data [do torneio] firmou contrato de parceria com a Sociedade Harmonia de Tênis a fim de regular o uso do espaço para a realização do evento, sendo que restou acordado que ao invés de pagamento de aluguel do espaço, a Premier arcaria com certas despesas necessárias para a realização do evento, bem como disponibilizaria ao Clube 150 convites/dia para o Hospitality Center”.

Sobre o pagamento de R$ 40 mil para a Brascourt montar uma quadra, o que não ocorreu, a explicação de Jorge Rosa ao Ministério do Esporte é confusa. Diz o seguinte:

“Consta do processo o pedido de alteração de local e data do evento, no entanto, por um lapso não constou da prestação de contas os documentos que passa a juntar neste momento. Quando da informação da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais) alterando o piso e data do evento, a nota fiscal emitida pela Brascourt Pisos Esportivos (data de 17/2/2011) já havia sido paga e os impostos recolhidos, desta forma a CBT diligenciou junto a Brascourt a fim de adequar os serviços contratados, conforme carta enviada em 7 de abril daquele ano. Em resposta, a CBT obteve a informação de que não havia necessidade de qualquer reforma ou adequação no piso das quadras do Clube. To davia, a Brascourt informou a necessidade de deixar disponível, bem como uma equipe para suporte, caso necessária a sua utilização, durante o evento. Desta forma, houve uma compensação de valores, restando um saldo de R$ 12.000,00 (doze mil reais) a ser devolvido à CBT. Ante o exposto requer a expedição de guia de recolhimento, a fim de possibilitar a devolução desse recurso.”

Advogada do esporte espera por inquérito cível e criminal

Advogada de esporte que acompanha os assuntos do tênis há muitos anos, a paulista Marisa Alija Ramos acompanhou este caso em todas as etapas. Ela espera que a confirmação de irregularidades na gestão de verbas públicas não se limite à ordem do Ministério do Esporte de devolução do dinheiro aplicado indevidamente, mas que evolua para processos cível e criminal contra os gestores da CBT.

A constatação do Ministério do Esporte de que os recursos foram geridos de "forma temerária", lhe surpreende?

Marisa – Infelizmente não. Participei do MTB (Movimento Tênis Brasil), em 2005. Fiz parte do corpo jurídico que conseguiu o feito de afastar um presidente de confederação no Brasil [Nelson Nastás], também por mau uso do dinheiro público. A aposta que os membros do MTB e os então presidentes de federações fizeram no atual presidente, Jorge Lacerda da Rosa, foi de que seu mandato seria pautado pela transparência e gestão participativa, e não monopolista, como ocorre.

É fato que os problemas começaram logo no início do mandato de Jorge?

Marisa – Já no primeiro ano da gestão do Jorge, em 2005, a CBT se envolveu em uma parceria, a meu ver ilegal e imoral, para utilizar seis contas correntes do Instituto Tênis e ali movimentar recursos da CBT. Para isso, foi usado um convênio particular – sem aprovação da diretoria do Instituto Tênis, mas somente do seu presidente à época. A movimentação dessas contas correntes, que comprovamos documentalmente, não integrou a prestações de contas no balanço da CBT. Esse fato só veio à tona e está sob a investigação do Ministério Público Federal e a Polícia Federal porque descobrimos e denunciamos. Portanto, essa gestão temerária, constatada também pelo Ministério do Esporte, não é de agora: infelizmente ela vem desde os primeiros passos da gestão.

 

Qual a sua expectativa para o desfecho dessa irregularidade confirmada pelo Ministério do Esporte?

Marisa – Felizmente o Ministério do Esporte manteve a posição esperada de um órgão de tamanha responsabilidade: apurou e foi além de nossa denúncia. E, constatados os fatos, condenou a atual diretoria da CBT pelo mau uso do dinheiro público. Fico feliz de ver que, o próprio Ministério se posicionou – sem provocação nossa – pelo pedido de instauração de procedimentos cível e criminal, além da devoluçã o do dinheiro. Isso é importante para a lisura na estrutura do esporte, que em nosso país precisa tanto de investimento dos empresários (como é o caso direto da Lei de Incentivo ao Esporte). O próprio Ministério, após a constatação de irregularidades, por iniciativa própria iniciou uma fiscalização (mesmo que tardia) em outros projetos da CBT que ainda não foram finalizados. Esperamos que, além da devolução do dinheiro usado indevidamente haja a instauração dos processos cível e criminal. Porque o crime de improbidade começa no desvio da aplicação do dinheiro público. E isso foi comprovado. A devolução do dinheiro é um “detalhe” no processo. Mas a condenação do mau gestor deve existir, até mesmo para se ter exemplo e para que esse fato não torne a ocorrer.