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Rorion Gracie foi o criador do UFC e um dos principais difusores do jiu-jitsu brasileiro

Rorion Gracie foi o criador do UFC e um dos principais difusores do jiu-jitsu brasileiro

24/07/2011 - 07h00

Gracie não se arrepende de vender UFC, mas alerta: 'não é mais briga de verdade'

Maurício Deho
Em São Paulo

Quando o UFC começou, seu criador, Rorion Gracie, tinha só uma intenção: colocar lutadores de diversas especialidades dentro da jaula, sem regras, como forma de comprovar a superioridade do jiu-jitsu aperfeiçoado por sua família. Quase duas décadas depois, o Ultimate Fighting Championship se transformou, virando uma febre mundial e valendo US$ 2 bilhões. Mesmo tendo vendido sua parte quando a empresa era cotada em só US$ 2 milhões, Rorion diz não se arrepender e apenas lamenta não poder ver no ringue o formato que planejou: “não é mais briga de verdade”.

Para Rorion, a criação de regras, a implementação de rounds e a limitação de tempo mudaram o “jogo”, mexendo não só com os resultados, mas com a cabeça dos atletas. Ainda assim, conclui que o importante neste processo todo foi a concretização de sua meta ao se mudar para os Estados Unidos, que foi mostrar ao mundo o jiu-jitsu dos Gracie. Hoje, segundo o carioca de 59 anos, ele é a base de um novo estilo de luta, que é o que se tornou o MMA, as artes marciais mistas.

Em entrevista ao UOL Esporte, além de falar da fase atual da modalidade e do evento, Rorion lembrou a criação do UFC e, antes disso, as dificuldades que passou nos Estados Unidos. Na sua primeira visita ao país, o filho de Hélio Gracie foi roubado e chegou a pedir esmola e dormir na rua. Confira essa e outras histórias do criador do evento, que retorna ao Brasil no dia 27 de agosto.

UOL Esporte: Qual foi a ideia principal em criar o UFC como um torneio entre lutadores de diferentes modalidades e sem regras?
Rorion Gracie:
Eu tive essa ideia de fazer campeonatos com oito lutadores, de diferentes especialidades, para que todos vissem uma comparação de estilos de luta. A ideia era educacional, para mostrar de uma vez por todas qual luta era a melhor luta e provar meu ponto com o jiu-jitsu. As pessoas começaram a entender que com técnica não se precisa de força ou habilidade física. O Royce [Gracie, vencedor de três dos quatro primeiros UFCs], apesar de menor e mais leve, ganhou de todo mundo, provando que o fraco vence se conhecer a técnica certa.

Ter um lutador como Royce foi importante nesta primeira fase?
Rorion:
O Royce nunca tinha feito uma briga de rua na vida. Eu o escolhi porque ele não tinha um físico impressionante, muito pelo contrário, era quase de dar pena! Achei que seria o melhor exemplo para mostrar a eficiência do jiu-jitsu. Aliás, nós na família Gracie não somos grandes atletas. Um exemplo: o Michael Jordan é um atleta excelente, porque faz coisas no basquete que outros não fazem. Isso depende da habilidade dele. Já o Royce tinha um conhecimento que ninguém mais possuía. Como ninguém sabia nada de luta no chão, ele venceu todo mundo. Ou seja, o excepcional não era o Royce e sim o jiu-jitsu.

MEL GIBSON JÁ TEVE AULAS DE JIU-JITSU

  • Arquivo/Pessoal

    Um dos "feitos" de Rorion Gracie com o jiu-jitsu brasileiro nos EUA foi conseguir atrair não só o cidadão comum, mas algumas celebridadades de peso para o tatame. Ele lembra inclusive que um dos principais antes do início do UFC foi o diretor do "Conan, o Bárbaro", John Milius. Mas a lista foi bem maior, apesar de o tratamento dos astros não mudar em nada em relação aos outros alunos.

    "A mesma aula que eu daria a você eu dei ao Mel Gibson. Muita gente boa passou por aqui, como Vin Diesel, Nicolas Cage, Jim Carrey, Chuck Norris e até o Batman. Virou moda aprender jiu-jitsu", diz Rorion, que tem outros clientes de peso, como o exército norte-americano.

Em comparação com os primeiros UFCs, hoje o MMA é um estilo de luta propriamente dito?
Rorion:
Esta é a pergunta. Minha ideia original era comparar estilos para que se descobrisse qual o mais eficiente.  Sem sombra de dúvidas o jiu-jitsu ganhou. Consequentemente, todos começaram a aprender, mesmo aqueles que não gostam de admitir isso. Hoje existe uma mistura mas, se tirarmos o jiu-jitsu, qualquer lutador perderá drasticamente sua eficiência. Ou seja, o MMA virou um tipo de luta, mas o jiu-jitsu é a espinha dorsal da eficiência dos praticantes.

E como ocorreu a venda do UFC. Você não estava contente com os rumos do evento?
Rorion:
Vendi minha participação porque meus sócios insistiram em implementar tempo de luta, luvas, categorias de peso, etc. E com tudo isso torna-se necessário haver participação de jurados para decidir quem ganha. Os jurados definem a vitória por quem deu mais socos ou foi mais agressivo, e na verdade isso não comprova quem é o melhor lutador. O UFC não é mais uma briga de verdade, virou entretenimento. Como eu já tinha provado meu ponto, vendi minha participação e não me arrependo disso.

Hoje em dia você acompanha o evento? Pretende assistir ao UFC Rio?
Rorion:
Não me interessa. Não assisto aos shows. Hoje não temos mais a comparação de estilos de luta, e sim uma comparação de atletas. Mede-se a capacidade física e atlética do individuo. Quanto ao evento no Rio, para mim é ótimo, pois eu vejo que a ideia que tive virou um sucesso internacional.

Entre os grandes de hoje, você tem algum lutador preferido?
Rorion:
Não. Todos esses atletas que chegam à posição de um Anderson Silva têm suas qualidades. Ter a disposição de botar a cara para trocar porrada no ringue demonstra a atitude de um vencedor. O MMA é um esporte que exige uma variedade de qualidades, como dedicação, persistência, disciplina, técnica... Portanto todos eles - como Anderson, Minotauro, Wanderlei Silva - merecem o nosso respeito.

Voltando ao seu início como um difusor do jiu-jitsu, como foi a primeira vez que você foi aos Estados Unidos?
Rorion:
Eu vim para cá em 1969, para tirar três meses de férias, mas meu dinheiro e a passagem de volta foram roubados. O problema é que a companhia de aviação disse que ia demorar seis meses para reaver a passagem. Então, liguei para o meu pai, Hélio Gracie, e disse “papai, tô gostando tanto da América que vou ficar seis meses”. Eu tinha 17 anos, estava sozinho e sem falar inglês direito, e ainda sem passagem para voltar. Mas não queria preocupar o velhinho (risos).

FUTURO: MAIS JIU E ALIMENTAÇÃO GRACIE

  • Arquivo Pessoal

    Apesar do longo histórico com o jiu-jitsu, Rorion tem como um de seus objetivos futuros manter a difusão da arte marcial, principalmente dando ênfase à defesa pessoal por meio da Gracie University (www.gracieuniversity.com).

    Além disso, outra tradição da família Gracie é a divulgação de um estudo de alimentação criado por Carlos, tio de Rorion. “Estou convencido que minha próxima meta é ajudar na conscientização da importância da boa alimentação e a relação que isto tem com a boa saúde. Para isto escrevi um livro baseado nos ensinamentos do meu tio, Carlos Gracie, que passou 65 anos estudando os efeitos da combinação dos alimentos. Ele criou uma fórmula simples de como evitar a fermentação dos alimentos e a acidez no sangue, que é a causa de todas as nossas doenças. O segredo da boa saúde é aprender a gostar do que faz bem”, explica ele.

Como você se manteve neste tempo, longe de casa?
Rorion:
Comecei a ir atrás de emprego e arranjei trabalho em uma lanchonete. Comecei a me arrumar, mas cheguei até a pedir esmola na rua, dormir em jornal...  A ideia de trabalhar para me sustentar e de ter que assumir responsabilidade por tudo que fazia ajudou a fazer desta aventura uma experiência positiva. Depois que me formei em direito no Brasil, em 1978, mudei para os EUA já com a ideia para implantar o nosso jiu-jitsu.

Quais foram suas dificuldades no início?
Rorion:
No começo, coloquei um tatame dentro da minha garagem e todas as pessoas que eu conhecia, convidava para uma aula grátis. Se a pessoa trouxesse um amigo, ganhava mais uma, se trouxesse dez amigos, ganharia dez aulas. E com isso a coisa foi crescendo.

Foi ali mesmo na garagem que começou o que viraria o UFC, não?
Rorion:
Enquanto a academia estava crescendo, tinha alunos que chegavam e falavam que professores de outras artes não acreditavam na eficiência do jiu-jitsu e que estavam dispostos a brigar comigo. Então, eu convidava esses professores de caratê, boxe, kung fu para a minha garagem, e chamava os alunos que queriam ver o “pau comer". Como o jiu-jitsu é indiscutivelmente a mais completa das artes marciais eu ganhava de todo mundo.

Como isso se transformou em fama para você, até chegar no UFC?
Rorion:
A popularidade passou a ser tão grande, que em um momento eu estava dando mais de 600 aulas por mês e tinha 85 pessoas na lista de espera para aprender, entre eles, o diretor do “Conan, o Bárbaro”, John Milius. Depois de uns dez anos de garagem, eu consegui abrir uma academia na Califórnia. E um dia a ficha caiu que, se eu quisesse mostrar o jiu-jitsu Gracie para o mundo inteiro, eu tinha de ir para a televisão.

Depois de quase duas décadas da criação do UFC, você faria algo diferente para ainda ter o evento?
Rorion:
Não, faria exatamente igual. Pensei bastante na época de criar o Ultimate, para não me arrepender depois. O fato de ter sido até um pouco chocante, não ter limite de tempo, e os lutadores poderem usar qualquer golpe, é que fez o evento ter o sucesso e a credibilidade que teve. Isso foi uma tática que funcionou muito bem, e criou essa chama inicial para o vale-tudo pegar fogo.

UFC 1: O COMEÇO DE TUDO

O dia 12 de novembro de 1993 marcou a primeira edição do UFC. Em Denver (EUA), oito lutadores foram reunidos em um torneio, incluindo Royce Gracie, irmão do principal criador do evento, Rorion. Oferecendo US$ 50 mil ao vencedor, as lutas não tinham limite de tempo, rounds e restrição de golpes - apenas os considerados baixos, incluindo mordidas e dedadas no olho. Cerca de 2.800 pessoas acompanharam a programação - que também foi transmitida em pay-per-view na TV norte-americana - e incluía na mesma noite a disputa de quartas de final, semifinal e a definição do título.

Dentro da jaula, o destaque acabou sendo Royce e seu jiu-jitsu. Ele iniciou vencendo o norte-americano Art Jimmerson, depois finalizou Ken Shamrock em 57s. Na final, foi campeão ao vencer com um mata-leão o holandês Gerard Gordeau, em menos de dois minutos.

 

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