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Mortes, falta de alvará e investigação: o que se sabe sobre tragédia no Fla

Do UOL, em São Paulo

11/02/2019 04h00

Um incêndio no CT do Flamengo na última sexta-feira (8), no Rio de Janeiro, matou dez jogadores da base do clube rubro-negro e deixou outros três atletas feridos - um em estado grave. A tragédia aconteceu em uma área que continha contêineres e era destinada às categorias inferiores. O Ninho do Urubu fica localizado no bairro de Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio e também é utilizado para treinamentos do elenco profissional.

Nas horas seguintes à tragédia, uma série de desdobramentos em relação ao caso vieram à tona, como a investigação do caso, a identificação dos dez corpos, o estado de saúde dos feridos, o drama dos familiares, as tentativas de explicação do Flamengo, o pronunciamento da Prefeitura do Rio e as homenagens ao redor do mundo. Confira agora tudo o que se sabe sobre o assunto.

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O caso

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Imagem: EPA

O incêndio começou ainda durante a madrugada da última sexta-feira. O Corpo de Bombeiros foi acionado às 5h17, depois que o fogo começou em um contêiner com seis quartos do centro de treinamento. Havia 26 jogadores entre 14 e 16 anos no alojamento. De acordo com autoridades e sobreviventes, um problema no sistema de ar-condicionado teria causado o fogo no primeiro quarto do contêiner, próximo à única porta do local.

Atletas que dormiam nos dormitórios mais ao fundo, distante da saída, não conseguiram escapar. Além disso, havia grades nas janelas. Apesar disso, Benedito Ferreira, um segurança do CT, conseguiu salvar meninos após quebrá-las. Segundo relatos, ele também tentou utilizar um extintor de incêndio para minimizar os danos.

O trabalho dos bombeiros

Os bombeiros controlaram o fogo por volta das 6h20. Dois quartéis dos bombeiros mandaram equipes completas de socorro para o centro de treinamento. O trabalho de rescaldo durou até as 12h. Às 7h30, já havia a informação em relação à quantidade de mortos e feridos. O tenente-coronel do Corpo de Bombeiros, Douglas Henaut, disse em seguida que as vítimas estavam dormindo no momento em que o fogo começou. Na porta do centro de treinamento do Flamengo, familiares buscavam informações.

As vítimas

Flamengo 3 - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Os mortos no incêndio são Christian Esmério Candido (15 anos), Vitor Isaías (15 anos), Jorge Eduardo (15 anos), Pablo Henrique da Silva (15 anos), Bernardo Pisetta (14 anos), Arthur Vinicius (14 anos), Athila Paixão (14 anos), Gedson Santos (14 anos), Rykelmo Vianna (16 anos) e Samuel Thomas de Souza Rosa (15 anos).

O primeiro a ser reconhecido foi Pablo Henrique. Em seguida, foi a vez dos familiares de Arthur Vinícius passarem pelo mesmo processo. Mais dois reconhecimentos ocorreram ainda na sexta-feira, de Victor Isaías e Bernardo Pisetta. No último sábado, mais quatro também foram liberados pelo IML.

O trabalho só foi encerrado no dia seguinte, com a identificação de Samuel Thomas de Souza Rosa e Jorge Eduardo dos Santos Pereira Dias. O primeiro sepultamento foi o de Arthur Vinícius, no cemitério Portal da Saudade, em Volta Redonda (RJ). Pablo Henrique foi enterrado no mesmo dia, em Minas Gerais. Outros seis já foram sepultados no domingo, entre eles Christian Esmério [assista ao vídeo]. Samuel Thomas e Jorge Eduardo serão velados nesta segunda-feira (10).

Em relação aos feridos, há um caso grave, o de Jhonata Ventura, de 16 anos, que passou por uma broncoscopia no hospital municipal Pedro II. Ele apresenta queimaduras de 2° e 3°graus em pelo menos 35% do corpo. Cauan Emanuel, 14 anos, teve alta do CTI (Centro de Terapia Intensiva) e seguiu para o quarto na tarde do último domingo. Francisco Dyogo, 15, está em "curva de melhora", mas, com uma recuperação mais lenta, seguirá o tratamento de fisioterapia no CTI. Ambos estão no Hospital Vitória, na Barra da Tijuca.

Problemas de documentação

No mesmo dia da tragédia, problemas acerca da documentação do Ninho do Urubu começaram a vir à tona. Ainda de manhã, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e Secretário de Defesa Civil, Roberto Robadey, declarou que o alojamento em que estavam as vítimas da tragédia não tinha documentação e chegou a falar em "puxadinho" ao se referir ao contêiner.

Mais tarde, em nota, a Prefeitura do Rio disse que havia multado o clube 31 vezes entre outubro de 2017 e dezembro de 2018. Além disso, afirmou que o Flamengo ignorou determinações dos fiscais e frisou que o CT, que custou R$ 38 milhões, não tinha alvará de funcionamento - ele foi solicitado em setembro de 2017, mas como o certificado de aprovação dos bombeiros não foi apresentado, o clube não recebeu o documento.

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Imagem: Folhapress

Segundo a Prefeitura, a área de alojamento atingida pelo incêndio não consta como edificada do último projeto aprovado pela área de licenciamento, em abril de 2018. No projeto, a área do alojamento foi descrita como um estacionamento de veículos. O clube não realizou pedido de licenciamento do setor para uso como dormitórios.

Ainda de acordo com a administração municipal, o Flamengo pôs os prédios em utilização sem habite-se, o que impediu a vistoria por parte dos técnicos da secretaria de Urbanismo. A Prefeitura ainda informou que o Flamengo não dispõe de permissão para o funcionamento do CT em três órgãos: Secretaria Municipal de Fazenda, Secretaria Municipal de Urbanismo e Corpo de Bombeiros.

O CT Ninho do Urubu também foi alvo de ação recente do Ministério Público do Rio de Janeiro pelas más condições oferecidas aos atletas de base.

Flamengo se pronuncia

O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, falou sobre o caso no fim da manhã da última sexta-feira. Na ocasião, o dirigente disse que o incidente é a maior tragédia da história do clube e que não poupará esforços para tentar minimizar o sofrimento das famílias das vítimas. Na noite do sábado, o CEO do clube, Reinaldo Belotti, fez um pronunciamento, sem perguntas da imprensa.

Segundo ele, picos de energia após o temporal no Rio de Janeiro da última quarta-feira causaram a tragédia. Além disso, Belotti disse que "alvarás e multas não têm nada a ver com o incêndio". Durante o pronunciamento, o diretor geral apresentou certificados do Ninho do Urubu para confirmar que o local está autorizado a funcionar. No dia seguinte, a CBF esclareceu que o certificado de clube formador não substitui a fiscalização pública.

Ainda no sábado, o presidente Rodolfo Landim, o vice-presidente de futebol Marcos Braz e o médico Márcio Tannure, além de uma assistente social e um psicólogo, estiveram no Ramada Hotel Recreio, onde estão hospedados os familiares das vítimas. Os dirigentes se colocaram à disposição para arcar com todas as despesas das famílias.

A investigação policial

A perícia que trabalha no Ninho do Urubu investiga se as paredes dos contêineres que pegaram fogo continham poliuretano, o mesmo material inflamável que serviu de combustível no incêndio da Boate Kiss, em 2013.

O Flamengo voltou a se pronunciar no domingo sobre o incêndio. Em nota, o Rubro-negro informou que o poliuretano utilizado entre as chapas metálicas do contêiner não foi um propagador do incêndio, já que possui característica auto-extinguível.

Um dos sobreviventes do incêndio citou em depoimento à polícia uma "gambiarra" em um aparelho de ar-condicionado do local. Segundo esse depoimento, cujo trecho foi citado pelo Fantástico, da Rede Globo, o equipamento instalado no contêiner era do que o buraco na parede. O espaço que sobrou, então, teria sido preenchido com pedaços de madeira, plástico bolha e espuma.

Flamengo 5 - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

A investigação da 42ª Delegacia de Polícia sobre a tragédia ouvirá integrantes da direção atual do Rubro-negro e da gestão anterior, comandada por Eduardo Bandeira de Mello, serão convocados a prestar depoimento nesta semana.

Jogos foram adiados

Por causa da tragédia, o treino da equipe principal do Flamengo, marcado para o período da manhã, foi adiado e, depois, cancelado. Todos os outros três times grandes do Rio, Botafogo, Fluminense e Vasco, fizeram o mesmo. As semifinais da Taça Guanabara, Flamengo x Fluminense e Vasco x Resende, marcadas para o fim de semana foram adiadas para o meio da semana. Um acordo geral envolvendo os times, a Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj) e a TV Globo consideraram não haver clima para a realização das partidas.

A reapresentação dos jogadores profissionais do Flamengo aconteceu no sábado e foi marcada por choros e orações. Em relação ao treinamento, não houve contato com bola. Os jogadores se apresentaram, a comoção foi muito grande, alguns atletas realizaram atividades físicas na academia e em seguida o elenco foi liberado.

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Imagem: Divulgação/Twitter

Com isso, jogo Vasco x Resende foi para a próxima quarta-feira (12), às 21h30 (de Brasília). Enquanto isso, o clássico entre Flamengo e Fluminense acontecerá na quinta-feira (13), às 20h30. A situação também altera a partida do Fluminense pela Copa Sul-Americana. O clube tricolor joga contra o Antofagasta (CHI) no dia 26 de fevereiro. A volta acontece em 21 de março.

Homenagens e torcidas cariocas unidas

No sábado, flamenguistas e torcedores de clubes rivais fizeram um abraço simbólico no Rio de Janeiro, em ato que reuniu cerca de 400 pessoas na sede social do Flamengo. As torcidas organizadas do time rubro-negro também se manifestaram.

A tragédia no CT do Flamengo foi lembrada em todo o mundo. Revelado pelo Flamengo, Lucas Paquetá marcou o primeiro gol com a camisa do Milan neste domingo (10). Na comemoração, o meio-campista ficou visivelmente emocionado e prestou suas condolências. O PSG mostrou o escudo do Flamengo no telão do Parque dos Príncipes, antes do jogo contra o Bordeuax. Outros gigantes europeus, como o Real Madrid, postaram mensagens nas redes sociais, assim como jogadores brasileiros e estrangeiros.

Durante a rodada dos estaduais, muitas homenagens aconteceram. Fred, do Cruzeiro, e Everton, do Grêmio, foram às câmeras logo depois de marcarem um gol. O Corinthians entrou em campo para enfrentar o Novorizontino com camisas pretas em cima do uniforme. O Sport, por sua vez, colocou o nome dos jovens mortos no uniforme no jogo diante do Petrolina. Houve também um minuto de silêncio em muitos duelos pelo Brasil.