Luta livre já bombou na TV; hoje, sem grana, sobrevive com shows nas ruas

Luís Augusto Símon

Do UOL, em São Paulo

Estava falando com Sara, a Mulher Gato, 19 anos, 1,57m e 52 quilos, quando levei um empurrão, por trás. Empurrão não é a palavra certa. O que me jogou para cima da entrevistada foi a barriga – grande, enorme, imensa barriga – de Jeca Tatu Cardoso, 55 anos, 140 quilos (falso, é mais do que o confessado) e 1,62m e meio. Ele faz questão do meio.

Olhei para trás e nem consegui reclamar. Jeca Tatu Cardoso já caminhava para o ringue, sob vaias intensas. Grita, xinga, ofende e, antes de entrar no ringue, toma o microfone das mãos do apresentador.

"Quem quiser vaiar, pode vaiar. Não gosto de vocês, mesmo. Vocês pensam que são motoqueiros e não passam de entregadores de pizza".

Pior ofensa, impossível para o horário e o local. Jeca Tatu Cardoso vai enfrentar Ricardo Tadeu em um evento comemorativo dos 58 anos de Trovão, fundador da Abraluli – Associação Brasileira de Luta Livre – e membro do grupo Abutres Nômades. Na festa de seus 58 anos, o preto predomina. São pelo menos 80 homens acompanhados.

 Não gostam nem de serem chamados de motoqueiros, preferem motociclistas, o que dirá de entregador de pizza? Mulheres também vaiam. E são ofendidas. "Lugar de mulher é na cozinha, mas entregador de pizza nem tem casa".

E começa o show. Jeca Tatu apanha muito, ate que um amigo puxe o pé de Ricardo Tadeu. Então, ele morde dos suculentos limões que despeja nos olhos bem fechados do rival. Faz mais algumas maldades para que tudo termine como sempre.

"Luto há 30 anos e nunca venci uma luta. Mas gosto do que faço", conta Amauri Cardoso, o Jeca Tatu, de chapéu de palha, botinas e calça xadrez.

A diferença de geração entre Jeca Tatu Cardoso e Sara, a Mulher Gato, é um indicativo de que a luta livre ainda tem lugar como negócio, mesmo longe da televisão? "A gente não tem do que reclamar", diz Trovão. Temos uma organização forte, tudo devidamente regulamentado e sempre fazemos eventos. A Abraluli tem um elenco de 16 lutadores. Não chamo de empregados, chamo de associados e ainda sentimos a admiração das crianças. Nunca vai acabar".

A presidente da Abraluli é Vaneska Carmona, a Garota Dourada, filha de Trovão.

Na festa de Trovão, um dos convidados foi Mário Boy, 55 anos, presidente da Astros do Ringue. Ele sonha com a volta da luta livre à televisão, mas há um adversário muito duro de ser batido. "As igrejas evangélicas estão com muito dinheiro e compram horário na televisão. Como que a gente vai competir? Teve um tempo em que Ted Boy Marino, Pelé e Roberto Carlos eram os brasileiros mais conhecidos e hoje está longe, mas a gente continua por aí."

Ele comemora a realização de três eventos em outubro e lamenta a falta de alguém que lhe ajude a vender o evento. "O Homem Montanha, de Taubaté, o Michel Serdan e outros estão com um agente que ajuda a fechar o negócio. Eu estou sozinho, mas estou na luta".

Mario Boy tem 12 lutadores em São Paulo. O suficiente para uma noite de quatro lutas, pois uma delas sempre é de duplas. Quando o evento é maior, com oito lutas, chama colegas do interior. "O que tem atrapalhado um pouco é que tem muito lutador novinho e fraco hoje em dia. É mais para acrobacia. Nossa turma é mais na porrada mesmo. Tenho o Pitbull de Mauá, por exemplo. Aqui, é porrada mesmo".

Um evento varia de R$ 5 a 15 mil. Fora o preço do caminhão, que leva o ringue. "Quando é para político, a gente cobra mais. Eles tem mais dinheiro", conta Mário Boy.

Ele estreou no ringe em 1977, com 18 anos. Nunca parou. "E nem vou parar. Sempre tem alguém querendo ver um entretenimento sadio e uma porrada bem dada".

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