Após levar dribles de Denílson, zagueiro deixa a defesa e vira artilheiro da várzea em SP
Bruno Doro
Do UOL, em São Paulo
Eduardo de França tem 34 anos, é atacante e ostenta um título extra-oficial invejado por muitos: artilheiro do futebol de várzea de São Paulo. França é centroavante do Pioneer, da Vila Guacuri, na divisa entre São Paulo e Diadema. Na Copa Kaiser, considerado o torneio mais importante do futebol amador paulista, foi artilheiro em 2011, com 18 gols, e vice em 2010, com 11, quando levou o título da competição.
"ERA PRA TER SIDO ARTILHEIRO POR DOIS ANOS SEGUIDOS. FOI INCOMPETÊNCIA"
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"Fazer gol não depende só do jogador. É muito mais o time em que você joga. Se colocam para você dez bolas na cara do gol, você vai meter três. É assim que funciona. É só você pensar no profissional. Se montarem um time só com o Damião, sem alguém para fazer a bola chegar nele, não tem como esperar que o cara faça os gols. Comigo foi assim. O time ajudou muito. Mas poderia ter sido muito melhor. Em 2010, deveria ter sido o artilheiro, mas foi incompetência mesmo. Perdi gol demais. E não é porque eu enfeitava. Eu errava mesmo".
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França, artilheiro da Copa Kaiser
Quem olha o jogador hoje, porém, não imagina que o início no futebol foi evitando os gols. França jogou nas categorias de base do Juventus, foi profissional por times do interior paulista e jogou até no Equador. Sempre como zagueiro. "Eu jogava atrás mesmo. Zagueiro, volante. Até lateral-direito. Eu jogava na posição em que me colocavam", lembra o ex-profissional, que hoje divide o tempo entre um bar que administra, na escola de samba Unidos da Vila Maria, e o futebol amador.
Desses tempos, uma das recordações mais vivas é de Denílson, atacante do São Paulo, pentacampeão com a seleção brasileira na Copa de 2002. "A gente tem a mesma idade e às vezes eu tinha de marcá-lo. Ainda na categoria juvenil. Era difícil. Olha hoje. O zagueiro tem que encarar o Neymar. Não sabe para que lado ele vai sair. E se der botinada, fica feio. Era a mesma coisa", lembra.
Hoje, é ele quem atormenta a defesa rival. O estilo, porém, não é tão vistoso quanto Denílson ou Neymar. França é forte, tem altura mediana, bom controle de bola. Mas seu faro de gol é raro nos campos de várzea. "Olha, sorte que temos o França. Com ele estamos bem servidos. Mas você não acha centroavante como ele, matador", conta Sérgio Ricardo, presidente do Pioneer (pronuncia-se piôner, com a sílaba tônica no O).
"É a posição mais difícil de encontrar jogador. A gente busca em todos os campos, não acha um cara que coloca a bola para dentro com eficiência. É como a seleção, que estava buscando um atacante até o Damião aparecer", concorda Adílson Lacerda, o Pintinho, técnico do Botafogo de Guaianases.
A transição de França da defesa para o ataque veio na várzea, após o fim da carreira como profissional. "Quando era moleque, meu pai jogava na frente, eu na zaga. Agora a gente inverteu. Ele é zagueiro, eu, atacante. Quando fui para a frente, vi que era mais fácil. Não precisava marcar muito. No máximo, você pega os zagueiros, um volante. Mas quando comecei a fazer gols, peguei o gosto. Não voltei mais".
França disputa, a partir de domingo, sua nona Copa Kaiser. Chegou ao Pioneer há dois anos, graças a uma parceria entre o time o Água Santa, um time da várzea de Diadema.
"NA VÁRZEA, O FUTEBOL É DE VERDADE. NO PROFISSIONAL, É SÓ DINHEIRO"
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Você já foi profissional, mas nunca deixou a várzea. Por que?
Mesmo jogando no profissional, sempre que eu tinha um tempinho, eu jogava. É mais puro. Hoje, muitos times da várzea pagam para os jogadores, mas mesmo assim é muito bom. Só de escutar a torcida, você se sente feliz. Vê que quem está lá é gente que trabalha a semana inteira, chega o fim de semana e ele vai ao campo, vem torcer. É a melhor coisa que tem. E existe um contato mais próximo. É muito melhor que o profissional. Futebol profissional é dinheiro. Várzea é amor.
Qual a sua profissão?
Hoje eu vivo da escola de samba. Tenho um bar na Unidos de Vila Maria, trabalho por seis meses, enquanto estão rolando os ensaios. Nos outros seis meses, me mantenho com o que ganhei. Nasci lá dentro, meu pai é diretor. Desde criança faço parte da comunidade.
Você já enfrentou alguma situação perigosa nos campos de várzea?
Dependendo de onde você vai jogar é complicado. Já encarei tiroteio. Você está no meio de campo, ouve os tiros, precisa correr para se esconder. Mas isso mudou. Existe muito respeito. Em todos os lugares, você é bem recebido. Dentro de campo também tem muita ameaça. Todo mundo ameaça te quebrar. Mas se você for ligar para isso, não joga. Tem de ignorar.
O nível técnico na várzea é bom?
É mais baixo que o profissional, claro. Mas tem muito jogador na várzea que dá banho nos que estão no profissional. O que falta muito é preparo físico. Mas quem é bom, você logo percebe. Tem muitos deles que era um pecado ver jogando no terrão. Mas é gente que, às vezes, não dá sorte. A gente diz que, para ser jogador, precisa dar aquele chute certo, um lance perfeito quando as pessoas certas estão olhando. Muita gente na várzea não teve essa chance, mesmo jogando mais do que gente que chegou até lá.
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