Atacante que já tomou vaga de Leandro Damião hoje é cobrador de ônibus em SP

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

  • Divulgação/Copa Kaiser

    Denô no pódio da Copa Kaiser 2008, esperando para receber troféu de artilheiro

    Denô no pódio da Copa Kaiser 2008, esperando para receber troféu de artilheiro

Em 2007, o time de futebol de várzea do Nós Travamos, do Jardim Ângela, na zona sul, procurava um atacante para disputar a Copa Kaiser. Um dos concorrentes era um jovem magro e alto. O outro, um atacante com menos de 1,70 m, rápido e habilidoso. O baixinho foi o escolhido. E levou a equipe, no ano seguinte, ao título da competição mais importante do futebol amador de São Paulo. Como se não bastasse, ainda foi o artilheiro da competição, com 19 gols.

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    Mesmo morando em Porto Alegre, Leandro Damião não fica muito tempo longe dos amigos: durante a primeira fase da Copa Kaiser, ele visitou o time do Nós Travamos, entra outras equipes

O nome do grandalhão a maioria dos brasileiros conhece: Leandro Damião, do Internacional e da seleção brasileira. O outro é Claudionor Lima, o Denô, fenômeno da várzea, que nunca teve uma chance de verdade no futebol profissional. Hoje, aos 28 anos, ele é cobrador de ônibus em São Paulo.

ÚLTIMO CAMPEÃO DA KAISER A NÃO PAGAR AOS JOGADORES

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    Mesmo sem Damião, a história do Nós Travamos é uma das mais surpreendentes da várzea de São Paulo. O time nasceu há 35 anos, no Jardim Ângela. "Primeiro, colocamos o nome de Tupi. Mas como a gente bebia mais do que jogava, mudamos para Ressaca. Esse foi o nome por nove anos. Virou Nós Travamos há 17. Há dez anos, nós percebemos que a várzea não era só bebida e briga. E passamos a organizar o time", conta Jairo, ex-segurança de 49 anos.

    Essa mudança deu certo. Em 2008, o Nós Travamos venceu a Copa Kaiser, com Denô como artilheiro. Foi o último a vencer o torneio sem pagar para os atletas – desde então, os times têm investido em atletas consagrados e pagam aos jogadores por partida. "Eu até fico arrepiado quando lembro. Eram todos jogadores da comunidade, amigos. Nosso orçamento era de R$ 700,00 por mês. Tínhamos um patrocinador que pagava R$ 200,00 e os diretores pagavam R$ 50,00 cada. E isso só dava para os gastos básicos do time, com uniforme, transporte, bolas", relembra Jairo.

    A final de 2008 foi contra o Vida Loka, da Vila Brasilândia, que no ano seguinte seria o campeão. O time do Jardim Tupi venceu por 2 a 1, com dois gols de Denô. Neste ano, o Nós Travamos já passou pela primeira fase da Kaiser e estreia no Grupo 13 da Zona Sul neste domingo, contra o Unidos, do Jardim Maria Estela.

     

"Eu joguei pouco ao lado do Damião. Só joguei uma ou duas partidas com ele. Na época, o Nós Travamos estava procurando um atacante. Ele teve umas cinco partidas de teste. Eu fiz umas quatro. E fui escolhido. Hoje, quando olho para o que ele conquistou, lamento não ter conseguido virar profissional também. Ser jogador de futebol é o sonho de qualquer brasileiro. Mas tudo bem. Ainda estou marcando meus gols na várzea", diz o atacante, que hoje atua pelo Ajax, da Vila São Jorge, e já marcou cinco vezes na edição 2012 da Kaiser.

Denô e Leandro eram vizinhos no Jardim Ângela. Irmão do baixinho, Cleginaldo Lima, o Keké, ainda é amigo de Damião e, quando o atacante do Internacional volta para São Paulo, está sempre ao seu lado. E até ele admite que poucos acreditavam no jogador que hoje brilha no Internacional. "Quando vimos ele marcando tantos gols no Inter, ficamos surpresos. Ele sempre foi grandão, mas era magrinho. Não aguentava trombada. O diferencial dele é a força de vontade. Dele e do pai, o seu Natalino. Eles sempre acreditaram, mesmo quando ninguém acreditava", conta Keké.

Diretor do Nós Travamos, Jairo Moreira dos Santos lembra bem da disputa de 2007. "Na época, o Denô estava voltando do Arapongas, do Paraná, onde ficou fazendo testes e acabou não dando certo. E ele era muito rápido, aguentava pancada, fazia gols. O Leandro Damião não. Era muito bom na bola aérea, chutava bem, mas não aguentava o tranco. Para a várzea, não funcionava. Não estou dizendo que ele não era bom. Mas para jogar no terrão, o Denô era melhor. Tanto que foi artilheiro da Copa Kaiser no ano seguinte. Tudo bem que o Damião tinha o dobro do tamanho. Ele tem quase dois metros de altura e o outro é baixinho. Mas quando a gente fala de habilidade, o Denô tem muito mais".

A diferença para um ter virado jogador e o outro não, segundo Jairo, foi a postura fora de campo. "O Leandro sempre foi um menino muito bom. No fim dos jogos, a gente ficava tomando cerveja e ele ficava conosco, mas só bebia refrigerante. Era humilde. O pai o criou muito bem. O Denô era diferente. No sábado e no domingo, se perdia no pancadão. Por isso, ficava difícil jogar no profissional. Se não fosse isso, estava brilhando junto com o Damião. A prova é que até hoje ele é artilheiro na várzea", completa Jairo.

Denô até tentou fazer uma carreira no futebol profissional. Após a passagem frustrada pelo Arapongas ("O time que revelou o Borges, do Santos", como ele faz questão de dizer), voltou para São Paulo e recebeu uma proposta do Ecus, de Suzano. "Pensei em aceitar. Mas eu já tinha arranjado trabalho aqui em São Paulo. Preferi não arriscar".

Copa Kaiser de futebol amador
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