Três anos após reforma de R$ 200 mil, campo de várzea na Brasilândia deve ser demolido por metrô

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

  • Milton Flores/UOL

    Campo do Augustinho Vieira, reformado pela Prefeitura, que deve dar lugar a obra do metrô

    Campo do Augustinho Vieira, reformado pela Prefeitura, que deve dar lugar a obra do metrô

Há três anos, a prefeitura de São Paulo reformou o CDC Augustinho Vieira, na Vila Brasilândia. O campo de várzea, um dos mais conhecidos da região, ganhou novas arquibancadas, abrigando agora 1500 pessoas. Pouco antes, já tinham sido construídas torres de iluminação, o campo ganhou grades e os vestiários foram refeitos. Em cinco anos, o local recebeu aproximadamente R$ 200 mil em investimentos públicos. Mesmo assim, será demolido.

O clube da comunidade (da sigla CDC) dará lugar a um terminal de ônibus. A obra faz parte do projeto da estação Vila Cardoso, da Linha 6 do metrô, prevista para 2016 e que ligará a região da Brasilândia, na zona norte, ao centro da cidade. No total, 406 imóveis serão desapropriados ao longo da linha. Segundo os responsáveis pelo campo, as obras começam já no segundo semestre de 2013, dando pouco menos de um ano de vida útil para o campo de várzea.

  • Mapa divulgado pelo metrô mostra áreas de desapropriação, incluindo o CDC (retângulo ao centro) e o sacolão municipal. Do outro lado da Estrada do Sabão, área menor corta um terreno sem uso

"Ainda estamos tentando mudar essa decisão. Mas o que ninguém entende é porque o campo tem de ser destruído mesmo tendo uma série de terrenos vazios que poderiam receber essas obras. Aqui, do outro lado da rua mesmo. São dois terrenos vazios que poderiam ser usados sem atrapalhar ninguém", reclama Valter Antonio Boricelli, presidente do CDC, que existe, em diferentes formatos de gestão, desde 1996.

PERSONAGENS DA POLÊMICA

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    Douglas Lellis, morador da região, aparece no campo todo sábado e domingo, Ajuda a cuidar do campo e leva sempre a tabela de jogos do fim de semana

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    Valter Boricelli, do CDC: "Existem 60 times que usam esse campo e, sem ele, não teriam onde mandar suas partidas em alguns campeonatos"

Em comunicado enviado ao UOL Esporte, o Metrô diz que o terreno foi escolhido por sua localização estratégica. "Os estudos para implantação de uma linha metroviária e suas respectivas estações levam em consideração vários fatores, como previsão de demanda, geologia e existência de vias de acesso, entre outros. Na Vila Cardoso, a Estrada do Sabão e a Avenida Michihisa Murata são duas das principais vias da região. Vale destacar que ao longo dessas vias existem diversos estabelecimentos comerciais, de serviços e de educação, atividades geradoras de demanda, e que são interessantes indicativos para a construção de estações".

O fato de o campo ser público também ajudou na escolha do terreno. Os CDCs são espaços de convivência montados pela Prefeitura em terrenos municipais, administrados por membros da própria comunidade. Vizinho, um sacolão municipal também será desapropriado. E nenhum deles será reconstruído: questionado, o Metrô diz que não é obrigado a fazer nenhuma contrapartida nas desapropriações de áreas públicas, mas que "medidas mitigadoras podem ser adotadas".

A Secretaria de Esportes, responsável indireta pelos CDCs, admite negociar maneiras de compensar o público pela perda. "A Secretaria está à disposição para auxiliar nos estudos de custo-benefício do projeto e planejar possíveis contrapartidas pela cessão do espaço, a exemplo de outras iniciativas já desenvolvidas pelo Metrô na cidade", diz um comunicado enviado à reportagem.

Com ou sem um novo espaço para o campo, os frequentadores do CDC já lamentam que o impacto causado pelo fim do campo será grande. O mais irônico é que, logo ao lado, existe outro espaço público e esportivo para a comunidade: o Espaço Criança Esperança Oswaldo Brandão tem campo, quadras poliesportivas e piscina. Mas não atende todas as necessidades esportivas da região. Torneios como a Copa Kaiser, o principal torneio de futebol amador da cidade, não podem ser disputado por lá.

CENAS DO FUTEBOL DE VÁRZEA

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    José Luis Urias, o China, marca o campo do CDC Augustinho Viera antes de jogo da Copa Kaiser

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    Jogo de dominó na beira do campo é tradição

"O Criança esperança é muito bom, mas não podemos levar campeonatos para lá. Nós temos mais de 60 equipes amadoras na região da Brasilândia e todas elas jogam, ao menos uma vez por mês, no Augustinho Vieira. Lá embaixo é proibido. Além disso, aqui no campo temos aulas gratuitas de segunda a sábado para crianças, mais três dias em que temos ações com a terceira idade. Tudo isso acabaria sem o campo", explica Boricelli.

Não só isso: outros projetos ligados ao campo podem morrer. Quando o UOL Esporte esteve por lá, um morador da região apresentou a ideia de um museu sobre futebol de várzea. Segurança e professor em um projeto de futebol para crianças em um conjunto do BNH da Vila Portuguesa, Waldemar de Oliveira Andrade procurou vários veteranos dos terrões, ou as famílias com jogadores que morreram, e recolheu material fotográfico de registros históricos do futebol amador da região. Ele gostaria de apoio para construir uma sala, no próprio terreno do Augustinho Vieira, para montar exibições e usar o espaço para debates regulares.

"Eu consegui reunir mais de 300 fotos antigas, desde a década de 70, sobre futebol amador. No nosso bairro, não existem muitas instituições que resgatam a memória. E se colocar em um local de difícil acesso, ninguém frequentaria. Em um local como o CDC, que todos os finais de semana recebe centenas de pessoas, seria um meio de aproximar a comunidade. É uma pena que nem a administração do CDC, nem a administração municipal conseguem se entender para manter o campo", diz.

Quem também perderia sem o campo são pessoas como Douglas Lellis. Aos 45 anos, ele caminha por 30 minutos, todo sábado e domingo, de sua casa até o campo para ajudar na manutenção. Mesmo sem ganhar nada, ele tira o mato, varre o lixo, ajuda na marcação do campo. E não ganha nada por isso. "Sou nascido e criado na Brasilândia. Esse campo é a alegria de quem não tem onde ir para se divertir. Olha só. O pessoal vem aqui, pode ficar no bar, pode jogar dominó, pode ver futebol. Não tem porque tirarem isso e construírem o metrô se, do outro lado da rua, tem um terreno vazio".

Copa Kaiser de futebol amador
Copa Kaiser de futebol amador

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