Nigeriano vinga na várzea após rodar pela Europa e operar joelho pelo SUS

David Abramvezt

Do UOL, em São Paulo

  • Milton Flores/UOL

    Daniel foi eleito o melhor jogador em campo na vitória do Ajax sobre o Águia Rocinha

    Daniel foi eleito o melhor jogador em campo na vitória do Ajax sobre o Águia Rocinha

Para abandonar a pobreza do seu país, o nigeriano Daniel Eze Okechukwu sonhou ser jogador de futebol e rodou o mundo para tentar ser profissional da bola. Mas foi na várzea paulistana que ele encontrou a sua felicidade e vem ganhando fama de craque. O atacante de 1,90m de altura e 23 anos de idade fez um gol, teve bela atuação e foi o grande destaque da vitória por 3 a 0 do atual campeão da Copa Kaiser, o Ajax, da Vila Rica, sobre o Águia Rocinha, de AE Carvalho, no último domingo, na rodada de abertura da edição 2013 da principal competição de futebol amador do Brasil.

Antes de passar a integrar as fileiras do "Corinthians da várzea", como é conhecido o time da Zona Leste, Daniel quase vingou em dois grandes centros do futebol mundial: a Alemanha e a Espanha. Em 2006, quando tinha 16 anos de idade, o atacante foi levado por um empresário de sua cidade - Lagos, a maior cidade da Nigéria - para jogar nas categorias de base do tradicional Hertha Berlin, da capital alemã. Não deu certo e ele partiu para o Espanyol, de Barcelona. Problemas de documentação o impediram de continuar tentando a sorte na Europa e ele aceitou uma proposta para jogar no Brasil, no fim de 2008.

"Eu sempre sonhei ser jogador de futebol e o Brasil, como dizem, é o país das oportunidades. Depois de não dar certo na Europa, eu passei pela base do Internacional, de Porto Alegre, mas fui dispensado depois de dois meses. Daí, não passei em testes na Ponte Preta, passei pelo Flamengo de Guarulhos e pelo CSA de Alagoas. Quando eu ia me firmar no Bahia de Feira de Santana, eu rompi os ligamentos do joelho esquerdo e acabei indo parar em São Paulo", contou Daniel.

Lesionado, o avante viu mais uma vez a sua chance de virar profissional ir por água a baixo. Com o pouco dinheiro que tinha, ele se mandou para São Paulo, onde conseguiu arrumar um emprego como vitrinista de uma loja de roupas no Brás. Foi aí que ele usou a experiência adquirida numa fase anterior ao futebol. Daniel é conhecedor de moda. Ele era modelo na Nigéria, mas resolveu deixar as passarelas para trilhar a sua história nos gramados. Quando não estava montando vitrines, o gringo jogava pelada em campos da Zona Leste. Foi lá que ele chamou a atenção do Ajax, da Vila Rica, no começo do ano passado. "O Ajax me fez realizar um sonho de jogar futebol em São Paulo. Não importa se é amador. Temos um time muito bom e uma grande torcida", comentou o nigeriano.

Já ambientado no Ajax e indo bem dentro de campo, Daniel conseguiu, após meses e meses de espera, operar o seu baleado joelho pelo sistema público brasileiro de saúde, o SUS. A cirurgia aconteceu em setembro do ano passado. Assim, ele jogou a Copa Kaiser apenas até antes das quartas de final da competição, que depois foi conquistada pelo time da Vila Rica.

"Eu não joguei as fases finais, mas me sinto campeão. É como se fosse um título profissional. Eu não consegui virar profissional na Europa e em alguns lugares do Brasil, mas tenho orgulho de dizer que sou profissional da várzea agora", disse o atleta.

De volta aos gramados no início deste ano, Daniel retomou a sua posição de titular do Ajax e, logo na primeira partida do defensor do título da Kaiser, ele fez um belo gol e puxou vários contra-ataques, demonstrando que o joelho está melhor do que nunca. Como ele recebe por jogo e o valor não é alto, o africano se divide entre os terrões e uma marmoraria, na qual participa dos processos de corte e lapidação do marmóre usado para criação de móveis, cozinhas e afins.

COPA KAISER: RESULTADOS

Dono de uma história de luta e um sujeito de boa convivência, Daniel conquistou a amizade dos seus companheiros de várzea. Chamado de Nigéria, ele é uma das grandes armas do Ajax na busca pelo bicampeonato da Copa Kaiser.

"Ele é um cara muito importante para o time. Além de ser um cara firmeza, que lutou muito para conseguir trabalhar no Brasil, ele ajuda muito dentro de campo. Não fica parado na frente e volta bastante para ajudar na marcação. Acho que ele tem tudo para continuar fazendo gol e sendo decisivo", falou Robson da Silva, técnico do Ajax.

Mesmo realizado na várzea, o centroavante nigeriano ainda tem uma pontinha de esperança de utilizar a Copa Kaiser como vitrine e conseguir uma profissionalização tardia. "Falam que na Kaiser tem muitos olheiros de times profissionais. Quem sabe, eu não consigo ser olhado por alguém e consigo uma vaga. Mas, se não der, tudo bem, eu estou feliz no Ajax", finalizou ele.

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