Futebol de várzea em São Paulo vai dos "torneios de bar" até o semiprofissionalismo

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

  • Reprodução/Copa Kaiser

    Classe A, campeão da Copa Kaiser 2011: torneio reúne elite do futebol amador paulista

    Classe A, campeão da Copa Kaiser 2011: torneio reúne elite do futebol amador paulista

O futebol de várzea não morreu. E sobrevive na cidade de São Paulo graças à cervejinha. O UOL Esporte investigou o cenário do futebol amador atual na capital paulista e descobriu que a maior parte das iniciativas do esporte envolve a bebida: da confraternização pós-jogo, passando pelos torneios organizados por donos dos bares à beira dos campos até a Copa Kaiser, grande sonho da maioria dos varzeanos da cidade.

ELITE DA VÁRZEA PAGA ATÉ SALÁRIOS

  • Na base da pirâmide da várzea, os atletas jogam por amor ao esporte. Na elite, o futebol amador atinge níveis de organização altos, beirando o profissionalismo. Os times com mais dinheiro, inclusive, pagam para que jogadores defendam suas cores: "Hoje, quem quer passar para as fases finais, tem de pagar. Os times que não pagam, não se classificam", analisa Vanderlei Garrido, do ADC Milianos, que joga a zona sul do torneio.

    Os "salários" variam de ajuda de custo. Alguns times pagam R$ 200 por jogo para atletas "contratados" ou R$ 600 para os principais atletas. Times com maior poder aquisitivo, inclusive, superam esses valores. O negócio é tão bom que atletas chegam a recusar propostas de times profissionais do interior de São Paulo para ficar na várzea. "Tive propostas, mas não aceitei. Alguns times de várzea tem estrutura melhor do que times do interior", explica o zagueiro Peixe, que jogou a Copa Kaiser de 2011 pelo Turma do Baffô, da zona sul, em entrevista ao jornal "A Voz do Futebol Amador".

O estudo "Geografia do Futebol Contemporâneo de São Paulo", do geógrafo e jogador de futebol de várzea Danilo Cajazeiras (ele é um dos fundadores do Autônomos FC, time com origens punk-anarquistas que teve sua história contada pelo UOL Esporte), mostra que o futebol amador paulistano ainda resiste à escassez de campos no centro da cidade. Na verdade, a prática hoje acontece mais na periferia do município, com o campo e a equipe ocupando papéis importantes nas comunidades.

Dividindo espaço com o futebol society e o futsal, a várzea ainda atrai muita gente. Universitários, executivos e gente comum, com menor poder aquisitivo. "A organização da várzea gira sempre em torno dos bares. O dono do bar organiza os campeonatos, compra os troféus, convida os times", conta André Kiss, profissional da área financeira, que joga pelo Areião FC. "O mais legal disso tudo é que você conhece lugares que nunca iria normalmente. Algumas partidas são em jogos em comunidades carentes, favelas mesmo. E são os lugares onde a recepção é melhor", completa.

Nesse cenário, os times de futebol de várzea são formados por amigos que se reúnem aos fins de semana para jogar bola. Mas a várzea também pode ser organizada. E muito. Incluindo os torneios de bar. "É verdade que são os donos dos bares, ou as pessoas que cuidam dos campos, quem organiza os campeonatos. Mas nem por isso esses torneios são ruins. Alguns deles, inclusive, valem classificação para a Copa Kaiser", conta Marcelo Nunes, do C.A. Carrão.

E a menção ao torneio da cervejaria não é ao acaso. O torneio é, hoje, o mais organizado do futebol amador paulista. Quer uma prova? A Copa Kaiser tem duas divisões, com 192 times cada, acesso, descenso e até torneios classificatórios. "Falam que é a Copa do Mundo da várzea. É o torneio mais importante que temos no ano", admite Nunes, que é prova viva do nível de organização que um time de várzea pode chegar.

Ex-presidente do Jardim Sinhá e hoje diretor de marketing do Carrão, que disputa a zona leste da competição, ele é o responsável por bater, de porta em porta, nas empresas da vizinhança do campo em busca de dinheiro para sustentar a equipe – incluindo os salários (como o quadro acima explica). "São empresas locais que ajudam, pela proximidade com o time".

TIME LEVA ESPÍRITO PUNK-ANARQUISTA AO FUTEBOL AMADOR

Você certamente já ouviu alguém falar que o futebol é o mais democrático dos esportes. Em São Paulo, um time de várzea leva essa máxima ao limite. O Autônomos FC é um time criado por punks e anarquistas que disputa campeonatos amadores. Joga na várzea de São Paulo, é o atual campeão continental "alternativo", já excursionou pela Europa, ficou alojado em squats (prédios abandonados que foram invadidos para servir de moradia) e até conquistou Manu Chao.

UOL Cursos Online

Todos os cursos