Ele fez o gol do título da Libertadores. Levou dura e quase foi abandonado
Vagner Magalhães e Vanderlei Lima
Do UOL, em São Paulo
Na final da Libertadores de 1976, o Cruzeiro bateu o River Plate, da Argentina, por 3 a 2. O gol do título saiu aos 43 minutos do segundo tempo, em uma cobrança de falta do atacante Joãozinho. Em circunstâncias normais, o jogador imediatamente seria elevado a heroi da conquista. Mas o gol rendeu a ele muita dor de cabeça e uma dura histórica do técnico Zezé Moreira.
Se dependesse do treinador, o Cruzeiro voltaria a Belo Horizonte sem Joãozinho. O técnico insistia que ele não deveria voltar com o grupo. E foi duro fazer Zezé Moreira mudar de ideia.
A decisão da Libertadores se deu em uma melhor de três jogos. Em Belo Horizonte, o Cruzeiro venceu o River por 4 a 1. Na volta, em Buenos Aires, 2 a 1 para os argentinos. A partida final se deu em campo neutro, em Santiago, no Chile. O Cruzeiro abriu vantagem de 2 a 0, com um gol de Nelinho no primeiro tempo e outro de Eduardo Amorim, aos 10 do segundo.
A reação do River foi rápida. Oscar Mas marcou aos 14 minutos e Urquiza, cinco minutos depois. Os cruzeirenses não se conformam até hoje com o gol de empate do River. Enquanto o juiz anotava um cartão amarelo, a bola foi tocada para Urquiza, que chutou forte. Imaginando que o lance seria anulado, o goleiro Raul Plasmann sequer se esforçou para fazer a defesa.
Ele explica o que aconteceu. "Foi um erro que eu cometi. Eu estava acostumado erroneamente a esperar o apito do árbitro para a cobrança de falta ou a autorização dele. Eles acabaram cobrando sem a autorização; Eu fui reclamar com o juiz e a bola acabou entrando", disse.
E esse lance, de forma indireta, contribuiu para o gol do título do Cruzeiro. Aos 42 minutos do segundo tempo, o atacante do Cruzeiro, Palhinha, foi derrubado na entrada da área. Nelinho, considerado um dos melhores batedores de falta do futebol brasileiro na época, se preparou para a cobrança.
"Quando saiu a falta para a gente, eu atravessei o campo. Quando o goleiro estava preparando a barreira, e eu botei a bola para bater, o Piazza se aproximou e foi bater a falta rápido para o Palhinha, assim como o River tinha feito. Ele disse que o Palhinha ia fazer o gol, mas eu disse que ia marcar. Eu cheguei a pisar no pé dele para que não batesse a falta. Ele ficou puto comigo, virou de costas e saiu resmungando. Eu saí atrás dele resmungando também. Foi nessa hora que o Joãozinho bateu rápido por cima da barreira", lembrou Nelinho.
Joãozinho lembra que Nelinho era considerado o "melhor cobrador de falta do mundo". Mas ainda assim não se intimidou. "Todo mundo viu que o goleiro estava preocupado com o Nelinho. Eu pensei: 'só preciso encaixar a bola em cima da barreira'. Dito e feito. Eu fiz o gol, mas deu o maior problema, porque o Zezé Moreira era um técnico muito rígido, muito certinho. Ele me chamou de irresponsável. Disse que o cobrador de falta oficial era o Nelinho e mesmo eu tendo o gol do título, ele disse que eu não voltaria com o time para Belo Horizonte".
Joãozinho se recorda que os outros jogadores chegaram a conversar com o treinador. "Tentaram amaciar o Zezé Moreira e quando chegamos ao hotel, ele me chamou para conversar em particular. O Zezé estava mesmo decidido a não permitir que eu voltasse ao Brasil com o grupo. O diretor de futebol Carmine Fruletti e o presidente Felício Brandi é que convenceram Zezé Moreira a fazer com que eu voltasse com todos. Disseram que se eu não voltasse, ninguém voltaria".
Joãozinho lembra que a bronca foi só do técnico. "Com os jogadores foi tudo bem e tranquilo. Mas o negócio era ele. O Zezé Moreira era emburrado. Eu vi que ele estava na frente do avião, corri e fiquei lá atrás", afirmou, rindo.
O jogador diz que no vestiário, o técnico queria bater nele. "O seu Zezé era uma pessoa muito séria, autoritária. Era muito estressado. Ele me chamou de moleque e disse que eu não poderia ter feito aquilo, mesmo com o gol do título".
Segundo Joãozinho, que na época tinha 22 anos, os jogadores mais experientes disseram que jamais fariam aquilo que ele fez. "Eu era um dos mais novos do time na época. Eu sei que fui altamente irresponsável. Mas no lance eu fui consciente pra caramba. Eu sabia que ia fazer o gol, mas as pessoas não pensavam dessa forma. Mas com o Nelinho, a gente não podia chegar perto da bola. Eu fui fazer outro gol de falta contra o Bahia, em 1978 ou 1979".
Nelinho lembrou que os jogadores pediram para que Zezé Moreira mudasse de ideia, mas ele estava intransigente. "Nós jogadores falamos: 'pô Zezé, o cara fez o gol do título. Como é que nós vamos chegar no Brasil sem o cara. Tem de rever essa posição e deixar o Joãozinho voltar".
Ele diz que jamais se chateou com Joãozinho pelo lance. "Ele é meu amigo, era companheiro de embalos. Ele marcou e foi a maior conquista que eu tive dentro do futebol. Ficou marcado por isso. Foi um lance diferente".
Raul Plasmann conta que apesar do título, a comemoração foi tímida, também por outro motivo. "Na época havia o toque de recolher no Chile por causa da ditadura do Pinochet. O jogo foi foi antecipado para as 20h porque às 23h saíam os tanques nas ruas e não tinha mais ninguém. Era o toque de recolher que existia. Então corremos para o hotel e ficamos por lá mesmo".
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