Modelo Nuzman de gestão gasta 43,5% da verba em burocracia e centraliza o poder

Bruno Doro, Gustavo Franceschini e Vinicius Konchinski

Do UOL, em São Paulo e no Rio de Janeiro

  • André Ricardo/UOL

    Carlos Arthur Nuzman durante o Prêmio Brasil Olímpico, um dos gastos do COB via Lei Piva

    Carlos Arthur Nuzman durante o Prêmio Brasil Olímpico, um dos gastos do COB via Lei Piva

Carlos Arthur Nuzman será reeleito, na próxima sexta-feira, presidente do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) pela quarta vez. Como resultado do trabalho de 17 anos, trouxe pela primeira vez as Olimpíadas para a América do Sul, multiplicou as verbas públicas disponíveis para o esporte olímpico e, principalmente, criou um modelo de gestão que gasta em burocracia 43,5% do que arrecada. E ainda sufoca oposição ao seu comando.

O centro da questão é a Lei Piva. Em vigor desde 2001, destina 2% das verbas arrecadadas com loterias federais ao esporte. Deste montante, 15% vai para o CPB (Comitê Paraolímpico Brasileiro) e 85% para o COB que, por sua vez, tem de investir 10% no esporte escolar e 5% no universitário. O plano inicial era dar 60% da verba restante às confederações, usar 10% para a criação de um fundo de reserva e ficar com apenas 30%. O problema é que, ao longo dos 11 anos da Lei, um dos quesitos que mais consumiu recursos no planejamento do COB foi a "manutenção da entidade".

De 2001 a 2011, o COB ficou, em média, com 43,5% do que recebeu. Esse dinheiro é gasto de diferentes formas, desde participações em competições esportivas até o investimento em projetos ousados, como as candidaturas do Rio de Janeiro para receber as Olimpíadas de 2012 e 2016. O total destinado às confederações variou de 79,2% em 2002 a 42,6% em 2007, ano em que os Jogos Pan-Americanos do Rio consumiram o orçamento do COB.

A entidade, consultada pelo UOL Esporte, discorda da avaliação, e explica que ainda repassa às confederações o fundo de reserva. "As Confederações continuam recebendo a maior parte dos recursos da Lei Agnelo/Piva para a preparação dos atletas.  Esse aporte tem se dado através do Fundo Olímpico, que é um fundo de reserva formado pelo Comitê Olímpico Brasileiro a partir de uma parcela dos recursos que a entidade recebe da Lei Agnelo/Piva", disse o COB, por e-mail (confira a resposta completa no quadro à esquerda). 

CONFIRA A RESPOSTA DO COB NA ÍNTEGRA

As Confederações continuam recebendo a maior parte dos recursos da Lei Agnelo/Piva para a preparação dos atletas. Esse aporte tem se dado através do Fundo Olímpico, que é um fundo de reserva formado pelo Comitê Olímpico Brasileiro a partir de uma parcela dos recursos que a entidade recebe da Lei Agnelo/Piva. Tem como objetivo atender a projetos especiais apresentados por todas as Confederações Brasileiras Olímpicas cujos valores não couberem no orçamento anual aprovado pelo COB para cada Confederação, ou no orçamento disponível de outras fontes de recursos da Confederação.

Além disso a verba destinada ao COB atende à várias outras necessidades dos atletas brasileiros como por exemplo: o envio da delegação brasileira aos Jogos Olímpicos, Pan-americanos e Sul-americanos; o aluguel de Centros de Treinamento (ex: Crystal Palace, base exclusiva da delegação brasileira em Londres) e a oferta de equipes multidisciplinares de Ciências do Esporte, entre tantas outras ações.

Além da alta "taxa de manutenção", a maneira como a divisão dos recursos para as confederações também ajuda a fortalecer quem está no poder. O COB divide o dinheiro usando um sistema de meritocracia: na prática, quem obtém melhores resultados, recebe mais. Nos bastidores, são os raros opositores de Nuzman reclamam do modelo. Argumentam que esportes como vôlei, judô, vela, atletismo e natação, líderes em termos de arrecadação, fazem sucesso justamente por terem mais dinheiro e patrocinadores privados.

Nesse caso, vale a comparação com o esporte dos EUA. Mas não o olímpico: o profissional. Por lá, cada jovem jogador que pleiteia um lugar na liga deve passar por um draft, uma espécie de recrutamento em que as equipes escolhem as revelações uma a uma. A ordem dessas escolhas é ditada pelo resultado, mas inversamente. Os times com pior rendimento escolhem primeiro, igualando as forças. Se essa lógica fosse usada pelo COB, as modalidades com mais recursos financeiros, mais patrocinadores, seriam as últimas a retirar sua fatia das verbas públicas. É assim, também, que funcionam financeiramente as ligas esportivas por lá, em que times com arrecadações maiores dividem seus lucros com equipes mais modestas.

Para especialistas, no entanto, o erro do COB vai além da burocracia ou do benefício aos mais ricos. "A gente tem poucas competições estaduais, poucos clubes. E então a gente tem pouca competição. A base é fraca no Brasil. A Lei Piva podia ter um fomento para isso", diz a ex-jogadora de vôlei Ana Moser, que defende a profissionalização dos cartolas para que os resultados apareçam com mais facilidade.

Outra crítica é a centralização de poder sem objetivos claros. "A questão da Lei Piva é que o COB vira um repassador de verbas. Ele não gere a operação. As Confederações fazem projetos bem simples, apresentam para o COB e eles transferem o dinheiro. Aí tem uma prestação de contas, mas eu não vejo metas definidas", analisa Gustavo Cruz, gestor do escritório ISG, que auxilia no projeto de alto rendimento da Petrobras, que tem a ex-jogadora de basquete Paula Gonçalves, a Magic Paula, como executiva principal.

Esse modelo de distribuição de verbas sem cobrança por resultados gera uma das maiores armas de Nuzman na manutenção de poder: a centralização. Durante anos, a Lei Piva foi a única fonte de receita de confederações menores. Quem decide o valor que cada uma receberá é o COB. E os dirigentes das Confederações, ao longo do tempo, foram evitando críticas ao comando geral, para não colocar em risco seus repasses. Na prática, todas as iniciativas de oposição ao presidente foram sufocadas.

Em 2010, uma ameaça de alternativa a este processo alarmou Nuzman. Quando soube nos bastidores que a Petrobras planejava investir, via Lei de Incentivo ao Esporte, em remo, levantamento de peso, taekwondo, esgrima e boxe, ele fez pressão política no Ministério do Esporte para que o projeto não fosse aprovado. Não obteve sucesso.

Com Magic Paula à frente da iniciativa, a estatal exigiu renovação entre os dirigentes das confederações e ameaçou o poder no esporte olímpico. Gerindo uma verba considerável, ela mostrou aos cartolas parceiros, involuntariamente, que eles não precisavam ser tão dependentes do COB. No início deste ano, parte destes dirigentes ensaiou um movimento de oposição a Nuzman. Acabaram, no entanto, desistindo sem apresentar uma candidatura. 

Nuzman tem o apoio declarado de 29 dos 30 presidentes de confederações de esportes olímpicos na eleição desta sexta . Boa parte deles, mesmo sem saber exatamente como funciona a partilha dos recursos oriundos da Lei Piva, concorda com o modelo de distribuição adotado pelo dirigente no Comitê Olímpico. Aprova, inclusive, o modo como parte desses recursos é gasto pelo próprio Comitê.

"Sinceramente, não sei muito bem como isso funciona, mas eu acredito na boa-fé", fala o presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo, Carlos Fernandes. "Não vejo problema nos repasses nem nos gastos do COB. Se querem um comitê competente, isso tem um custo", completou.

A opinião é a mesma do presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), Coracy Nunes. Segundo ele, a imensa maioria das entidades olímpicas está satisfeita com atual gestão do COB e não tem do que reclamar. "Eu apoio o presidente Nuzman assim como quase todos os presidentes de confederações", disse Nunes. "Ele é um grande presidente, fez muito pelo esporte brasileiro e espero que tenha saúde para ficar no comitê por muito tempo."

Carlos Arthur Nuzman
Carlos Arthur Nuzman

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