Casal cinquentão compra barco e tenta ir junto com sobrinhos para Olimpíada
Dê Rana
Do UOL, em São Paulo
Depois de criar três filhos, o marido resolve surpreender a mulher, sua parceira de 30 anos, com um barco, para que possam velejar juntos. Seria só mais um enredo de romance quase clichê. Mas os cinquentões Clinio de Freitas e Cacau Swan, com (o barco) Nacra 17, têm grandes chances de ser o primeiro casal brasileiro a competir juntos em uma Olimpíada.
Em outubro de 2012, o telefone de Clinio, dentista de Niterói (RJ), tocou com uma oferta que não se recebe todo dia. A recém montada CBVela, confederação criada para substituir a falida CBVM (Vela e Motor), havia recebido o direito de indicar uma pessoa para comprar um dos 100 primeiros Nacra 17, o barco escolhido para promover a volta dos catamarãs (de dois cascos) ao programa olímpico, numa classe obrigatoriamente mista.
Clinio não pensou muito para aceitar a proposta, ainda que tivesse de desembolsar cerca de 25 mil euros para comprar o barco, que só chegou em junho de 2013. O próximo passo seria avisar a companheira de campanha olímpica, mãe de seus três filhos. "Você tá maluco?" perguntou Cacau, já sorrindo. Ele sabia que ela adoraria a ideia.
Cacau já é a mais velha mulher nas competições de vela pelo mundo. O casal até tentou seguir a tendência mundial e colocar ela no leme, como timoneira, e deixá-lo fazendo força na proa. A tentativa, que inverteria a hierarquia do barco, foi infrutífera. Afinal, a experiência de Clinio no leme é exatamente o trunfo da dupla.
"O tempo inteiro a gente pensa na idade. Dentro da água, o prazer é tão grande que a gente esquece a idade. Na volta do mar, a gente sente o corpo. Eu sou disparada a mais velha. Algumas pessoas criticam, outros apoiam. Pra mim, não interessa a opinião dos outros", conta ela, que já vinha participando de provas de triatlo e biatlo.
Eles não foram escolhidos pela CBVela por acaso: Clinio é medalhista olímpico em catamarã. Vinte e seis anos trás, nos Jogos Olímpicos de Seul-1988, ele era proeiro do amigo Lars Grael na conquista do bronze na Tornado. Nessa época, já namorava Cacau, sete meses mais nova, e depois atleta olímpica em Barcelona-1992. Os dois se conheceram no Rio Yacht Club, tradicional clube náutico de Niterói (RJ), que eles defendem até hoje, 30 anos depois de iniciarem o namoro.
Ali, são chamados de "tio" e "tia" pelos timoneiros dos outros três barcos olímpicos do clube. Afinal, Cacau é daquelas mães chamadas de tias pelos amigos dos filhos e pelos filhos dos amigos. Casos de Marco (Marquinho) e Martine Grael, filhos de Torben e candidatos a vagas olímpicas na 49er e na 49er FX, respectivamente. "Eles adoram o meu bolo de cenoura. Sou a tia Cacau, ele é o tio Clinio", contam.
Já com Isabel Swan, como o sobrenome entrega, a relação é ainda mais familiar. Medalhista olímpica de bronze nos Jogos de Pequim-2008, na classe 470, Isabel realizou o sonho da tia, que competiu pela mesma classe duas décadas atrás, ficando em 15.º com Monica Scheel em Barcelona. "Antes de ela viajar, eu pedi um autógrafo. Ela falou: 'Como assim, tia?'. Eu disse: 'Quando você voltar, vai ser famosa'. Eu chorei muito, fiquei muito orgulhosa", derrete-se Cacau ao falar da sobrinha.
Quando competiu em Barcelona, Cacau contou com o bom senso dos dirigentes brasileiros para dividir uma suíte na Vila Olímpica com o homem com quem havia trocado alianças um ano antes. "As camareiras não entendiam nada quando viam as duas camas de solteiro juntas", lembra.
Mal deu tempo de Cacau começar outra campanha olímpica e ela se tornaria mãe. Depois de Caio, hoje com 20 anos, vieram Clinio Júnior (19) e Camila (17). Clinio foi oitavo nos Jogos de Barcelona, mas depois se afastou momentaneamente do esporte de alto rendimento. "Eu e o Lars perdemos o patrocínio e eu disse que não daria mais para pagar para velejar. Tinha uma família, tinha despesas", conta Clinio. Mas um amigo compraria um Tornado, ele entraria de novo na brincadeira e por pouco não venceu Lars e Kiko Pelicano na seletiva para Atlanta-96.
O desempenho foi tão bom que Clinio foi convidado para ser técnico da dupla na Olimpíada, ajudando os amigos a faturarem outro bronze olímpico. Quatro anos depois, seria auxiliar técnico em Sydney. Depois disso, decidiu dedicar-se à odontologia e aos filhos. Vela, só de fim de semana.
De lá para cá, o corpo ganhou rusgas e o cabelo (dele) foi ficando grisalho. A agilidade também já não é a mesma de 24 anos atrás, quando foram juntos aos Jogos de Barcelona. Desta vez, se a campanha pré-olímpica for bem sucedida, Clinio competirá no Rio aos 52. Cacau terá 51. Não serão os primeiros cinquentões a representar o Brasil em uma Olimpíada (Nelson Pessoa o fez aos 56), mas fatalmente serão dos mais velhos em modalidades que exigem explosão – cinquentões são comuns só no hipismo e no tiro esportivo.
Em campanha olímpica, eles treinam na água toda tarde de quarta-feira e aos finais de semana, além de praticarem exercícios físicos diários desde que compraram o barco - correm, pedalam, fazem academia. Clinio só vai se afastar do consultório se sentir que tem chance de uma medalha olímpica, o que, atualmente, parece algo fora da realidade.
O Brasil já tem uma vaga garantida na classe. A disputa para saber que dupla representará o país em 2016 é exclusivamente contra os Samuel Albrecht (o Samuca), 32 anos, e Geórgia da Silva, 22, uma vez que não são muitos os Nacra 17 disponíveis. "Nesse primeiro momento a experiência contou bastante. A gente conseguiu dar esse primeiro passo, primeiro que os outros. Agora está todo mundo já com um ano de barco e o treinamento e a juventude já estão equilibrados a experiência", explica Clinio.
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