Goiás lida com influência do tráfico em guerra de torcidas e terá segurança recorde em clássico

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

  • Bruno Freitas/UOL

    Serra Dourada recebe neste domingo jogo de ida da semifinal entre Vila Nova e Goiás

    Serra Dourada recebe neste domingo jogo de ida da semifinal entre Vila Nova e Goiás

Em nenhum lugar do Brasil a violência entre torcidas organizadas é tão pesada hoje em dia quanto em Goiânia, onde 11 pessoas foram assassinadas desde maio do ano passado em incidentes ligados à rivalidade no futebol, mas que respingam em disputas do tráfico de drogas. Por isso, o clássico deste domingo entre Vila Nova e Goiás no Serra Dourada, no primeiro confronto na semifinal do Estadual, motivou o planejamento de um esquema de segurança nunca visto na cidade.

TORCIDA ÚNICA DESCARTADA

Durante a semana, especulou-se no Estado a possibilidade da adoção da torcida única no estádio para os dois jogos envolvendo Goiás e Vila Nova nas semifinais. No entanto, a medida foi descartada, em razão da projeção de prejuízo financeiro e com base no histórico de paz, pelo menos dentro do Serra Dourada.

"Se falou em torcida única, mas isso foi descartado. As torcidas geralmente se enfrentam fora dos estádios, nas periferias. E torcida única significa estádio vazio. O clássico fica bonito com as duas torcidas. O melhor é deixar as pessoas conscientes", afirma Eduardo Barbosa, atual presidente do Vila Nova.

"O problema não está ocorrendo no perímetro do estádio, nem no interior. Acontece no bairro, no deslocamento do torcedor, após, ou mesmo na véspera. Essa medida não teria efeito prático no problema que estamos enfrentando. Até porque contamos com um sistema de câmeras de monitoramento dentro do estádio", afirma o tenente coronel Marcio Queiroz.

O Ministério Público de Goiás organizou reunião na última quarta-feira para discutir a reação ao derramamento de sangue no embate entre as principais torcidas organizadas da cidade, para debater a desvantagem parcial do Estado nesta questão. A Polícia Civil garantiu a presença de três delegados no clássico, além de oficiais destacados para as ações. Por sua vez, a Polícia Militar contará com pouco mais de 500 homens na operação, além de um juizado especial que será instalado no Serra Dourada. Também ficou decidido que, entre 13h e 19h, num raio de 5 quilômetros do estádio, qualquer fato que não for crime será autuado de acordo com o Estatuto do Torcedor.

Durante a semana, os braços da polícia local monitoraram a ação de torcedores nas redes sociais da internet. Mesmo assim, não conseguiu evitar a morte de Vinicius Araújo em um incidente no Parque Atheneu. Apesar de ser integrante da Força Jovem, do Goiás, o rapaz tem por enquanto seu assassinato oficialmente tratado exclusivamente como estatística da guerra de facções do tráfico de drogas local.

No entanto, polícia e Ministério Público do Estado admitem trabalhar com a vertente de que o embate entre organizados nos últimos meses tem sido intensificado por criminosos do tráfico infiltrados dentro das torcidas dos maiores times locais.

"Ontem [quinta-feira] prendemos um componente de uma torcida com 2 quilos de pasta base [material para produção de drogas], mais uma importância em dinheiro. Eles misturam tudo isso. Os crimes podem ocorrer por diferença de time, mas também por disputa de boca de fumo, de região de trágico", afirmou o tenente coronel Marcio Queiroz, comandante do policialmente metropolitano, em contato com o UOL Esporte.

"Tem morte que acontece no meio de semana, não é nem dia de clássico. Às vezes matam uma pessoa com a camisa do Goiás e falam que foi um torcedor do Vila. Matam alguém com a camisa do Vila e já falam que foi um torcedor do Goiás. Muitas vezes não tem nada a ver com futebol, é envolvimento de facção que mexe com droga. A maioria dos casos é com traficantes", disse Eduardo Barbosa, presidente do Vila Nova, após um almoço de confraternização com a diretoria do rival Goiás na sexta-feira.

No último domingo um torcedor do Goiás morreu após ser atingido por disparos quando se encaminhava em um ônibus de linha para um jogo em Aparecida de Goiânia, região metropolitana da capital. Gabriel Gonçalves Mendes tinha 14 anos, foi levado ao Hospital de Urgências, mas não resistiu ao ferimento. Outro rapaz foi atingido de raspão na mão.

De acordo com o Departamento de Investigações sobre Crime Organizado, este incidente representa a 11ª morte envolvendo torcedores em cerca de um ano. No dia 31 de março passado, Diego Rodrigo de Jesus foi assassinado em uma área nobre de Goiânia. O rapaz falava ao telefone quando foi agredido por um grupo de aproximadamente dez pessoas, algumas delas com uniformes de times da capital.

Dos responsáveis por outros casos de crimes entre torcidas, apenas uma pessoa é mantida presa. Ricardo de Araújo Teixeira responde pelo homicídio qualificado de Pamella Valpato, 17 anos, morta por engano no lugar do namorado, integrante da torcida Força Jovem, do Goiás. O acusado vai a júri popular.

Na reunião da última quarta, os representantes do MP formalizaram a proposta de suspensão das principais torcidas de Goiás, Vila Nova e Atlético-GO. Através de liminar, o órgão pediu a suspensão das torcidas organizadas Força Jovem e Esquadrão Vilanovense por 240 dias e Dragões, por um mês. Uma vez concedida a proibição, os integrantes das organizadas estarão proibidos de ingressar em estádios uniformizados, portando bandeiras ou com quaisquer outros itens que as identifiquem.

A reunião para tratar da violência de torcidas de Goiânia foi presidida pelos promotores Denis Bimbatti, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, Bernardo Boclin, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal, e pelo promotor de Justiça da área de defesa do consumidor, Murilo de Morais e Miranda. Ela também contou com as diretorias dos clubes, representantes locais da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e de empresas de transporte público. O MP promete intensificar o monitoramento do caso durante as finais do Estadual.

Depois da mobilização da semana, o poder público manifesta confiança em enfim conseguir estancar a violência que dominou o ambiente do futebol em Goiás.

"Eles estavam acertando alguns confrontos pelas redes sociais, mas tínhamos equipes nossas monitorando, tentando se antecipar a essas ações. No domingo teremos equipes acompanhando as torcidas desde os locais onde elas se aglomeram, nos deslocamentos por transportes coletivos, terminas de ônibus. Teremos uso até de helicóptero neste trabalho", diz o tenente Queiroz.

Briga com torcedores em todo mundo
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