Com carreira marcada por vitórias no vôlei, ambição e críticas, Nuzman tenta chegar a 21 anos no COB

Bruno Doro e Gustavo Franceschini*

Do UOL, em São Paulo

  • Sergio Moraes/Reuters

    Nuzman ao lado de Sebastian Coe, presidente de Londres-12; brasileiro vive pressão na eleição

    Nuzman ao lado de Sebastian Coe, presidente de Londres-12; brasileiro vive pressão na eleição

Há 17 anos, Carlos Arthur Nuzman chegou à presidência do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) credenciado pela revolução que transformaria o vôlei no segundo esporte do país. Desde então, acumulou resultados esportivos modestos, grandes sucessos políticos e acusações de corrupção. Nesta sexta-feira, ele deve se reeleger para continuar como presidente da entidade até 2016, quando o Rio de Janeiro recebe os Jogos Olímpicos. O feito coroaria uma carreira marcada por um estilo impositivo e ambicioso, hoje tão questionado.

Aos 70 anos, ele nunca esteve sob tanta pressão. Os escândalos recentes envolvendo o Comitê Organizador dos Jogos do Rio 2016 e o próprio COB criaram muita turbulência na votação desta sexta. A eleição está marcada para 11h e o cartola é candidato único, com apoio de 29 das 30 confederações esportivas do Brasil. Prova dessa pressão é a imagem de dirigente irritadiço e inseguro exibida em suas últimas aparições públicas.

Esse retrato, porém, em nada lembra a figura soberana dos tempos em que, usando o vôlei como plataforma, se transformou em exemplo de modernidade na gestão esportiva brasileira. Essa história começou nos anos 1970, após o fim da carreira de atleta - que o permitiu disputar, pela seleção brasileira, dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964. Em 1972, foi o protagonista de um movimento que envolveu outros atletas e assumiu a Federação de Vôlei do Rio de Janeiro. Surgia, aí, a figura do Nuzman cartola.

Com a proposta de estruturar o esporte, agradou e logo foi conduzido à presidência da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei), já em 1975. Poderoso dentro da modalidade que conhecia, ele começou a fazer o vôlei avançar. Reuniu uma seleção permanente, estabeleceu um projeto com a comissão técnica e fez o Brasil crescer esportivamente.

Já em 1977, viu a seleção surpreender nos Mundiais juvenis, masculino e feminino. Os brasileiros ainda chegaram ao quinto lugar nas Olimpíadas de 1980 e atingiram o ápice de popularidade com a prata em 1984. "Nesse aspecto, o grande mérito do Nuzman foi tentar dar melhores condições de trabalho para os jogadores. A gente estava bem no começo e tinha algumas ideias de avanço na modalidade. Ele é realmente o grande responsável por esse crescimento", diz José Carlos Brunoro, que trabalhou como preparador físico, foi auxiliar-técnico da geração de prata e técnico da seleção masculina de 1984 até 1987.

Paralelamente, desenvolveu-se no país o conceito de clube-empresa, ancorado na parceria com Luciano do Valle, narrador que levava o esporte para as emissoras nas quais trabalhava. Em 1983, por exemplo, Nuzman foi um dos artífices do famoso jogo entre a então União Soviética e o Brasil, que reuniu mais de 90 mil pessoas no Maracanã, recorde de público da história do vôlei e um dos momentos marcantes no processo de popularização da modalidade.

São todos feitos elogiáveis. E atingidos graças à mão de ferro do cartola, que logo passou a ser reconhecido pelo estilo exigente, que não raras vezes deixou inimigos pelo caminho. "Ele foi muito bem no início, mas depois foi mordido pela cobra e passou a privilegiar situações pessoais em detrimento do esporte", fala Bebeto de Freitas, técnico da seleção de 1984 e desafeto de Nuzman há duas décadas, que reclama que hoje o vôlei do país só vive em torno da seleção.

O treinador está longe de ser o único crítico do cartola. Com o vôlei brasileiro ainda em crescimento, Nuzman decidiu que a CBV deveria arrecadar parte do dinheiro que os atletas recebiam nas transferências para clubes do exterior. A medida, como não poderia deixar de ser, incomodou os jogadores, que protestaram contra a regra da entidade. Sem sucesso.

"Houve bastante discussão sobre isso. Pela necessidade da CBV de ter recursos, ele se sentia no direito de cobrar. Foi uma situação bastante polêmica, eu mesmo não concordava. Ele impôs isso. Era cada um brigando pelo seu espaço, mas no fim não houve acerto", conta Brunoro.

O episódio revela uma característica marcante da personalidade de Nuzman, que se tornaria ainda mais forte ao longo dos anos, quando ele assumiria o COB: o caráter impositivo.

"O jeito Nuzman é de arregaçar as mangas e fazer o que precisa ser feito. Primeiro ele faz, depois discute. Foi assim que ele foi conseguindo seus objetivos, com esse jeito trator. Até hoje ele mantém essa coisa de 'ame-o ou deixe-o'. E dentro desse voluntarismo, de querer fazer, de querer implantar um projeto, ele criou uma porção de inimigos", admite José Cocco, especialista em marketing que trabalhou com a CBV, incluindo na organização da partida contra a União Soviética no Maracanã, e define o trabalho com o cartola como "fácil e prazeroso".

A outra característica que define Nuzman é a ambição. Ele é descrito como alguém que não se contenta com o poder que tem. Nos tempos de CBV, já se empenhava em ganhar espaço na estrutura da FIVB (Federação Internacional de Vôlei), participando de comissões e fazendo contatos. No âmbito nacional ele moldava a imagem de bom administrador que o permitiu, em 1995, finalmente saltar para a entidade que gere o esporte olímpico do país.

No comando do COB, Nuzman mostrou talento. Principalmente no aspecto político. Nos anos 2000, o setor recebeu uma injeção enorme de dinheiro público, culminando no ciclo olímpico de Londres-2012, que contou com injeção de R$ 2,1 bilhões na preparação dos atletas. Com isso, outras facetas de sua administração vieram à tona. Como revelou o UOL Esporte nos últimos dias, sua gestão conseguiu uma ligeira melhora esportiva quando considerados os pódios olímpicos, mas inflacionou em 2.800% o custo-medalha do país. Além disso, gastou 43,5% da verba da Lei Piva, principal fonte de renda do COB, em burocracia. Tudo isso, coroado por um modelo de distribuição de recursos que centraliza o poder na sua figura e sufoca qualquer movimento de oposição.

Em contrapartida, Nuzman foi o grande mentor do projeto que garantiu ao Brasil o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. O caminho até lá, no entanto, foi pavimentado por denúncias de corrupção. Os escândalos começaram em 2007, com o estouro do orçamento dos Jogos Pan-Americanos, mais de oito vezes maior que o previsto.

A equipe de gestão do evento continental foi mantida para as Olimpíadas, e seguiu com problemas. Luiz Fernando Corrêa, delegado da Polícia Federal acusado de superfaturar em R$ 18 milhões um contrato do Pan de 2007, foi mantido no cargo de diretor de segurança do Comitê de 2016 mesmo após o surgimento da denúncia.

A divulgação do caso foi o primeiro abalo na organização, que sofreu um tremor ainda maior há menos de um mês, quando o Blog do Juca Kfouri, do UOL Esporte, revelou que funcionários do Comitê do Rio roubaram informações de Londres-12. A repercussão criou um constrangimento nacional e abalou de vez o ânimo de Nuzman, que chega à eleição que deveria coroá-lo em uma situação inédita em sua longa carreira política: ameaçado. 

*Colaborou Vinicius Konchinski

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